quinta-feira, 19 de junho de 2008

1 - DEZ ORIENTAÇÕES TENDENCIAIS PARA UMA NOVA KLÍNICA.

Para desenvolver uma klínica do klinamen e da diferença, quer dizer, do desvio inventivo, e não uma clínica-padrão clinos passivo, com algumas variedades codificadas, é preciso criticar e recriar todas as suas dimensões.
É recomendável adotar um paradigma clínico prevalentemente ético, estético e político, ou seja, artístico, em lugar de um prevalentemente científico e/ou místico, ainda que estes últimos não estejam radicalmente excluídos.
É recomendável gerar e aplicar incessantemente uma teoria transcognitiva, exposta em discursos e semióticas variáveis, que seja capaz de dar conta da universalização de singulares e não da generalização de particulares.
É recomendável que essa teoria seja inseparável de intervenções guiadas mais por logísticas, estratégias, manobras e táticas páticas que por métodos e técnicas racionalizadas.
É recomendável a crítica e reinvenção contínuas da profissionalidade e da especificidade que haverão de tender a se tornarem cada vez mais modalidades de heterogêneses e de militância, involucrando a multiplicação dramática dos dispositivos de teorização e de intervenção. Trata-se de definir a prevenção como uma aliança para a plena realização da Vida, os transtornos como dificuldades existenciais, o tratamento como a atualização das virtualidades de que se dispõe e a reabilitação como a transmutação crítica dos mundos aos quais se pertence.
É recomendável que os dispositivos e recursos teóricos sejam empregados prevalentemente em sua dimensão pragmática, e que os agenciamentos interventivos se aproximem cada vez mais dos âmbitos e práticas da cotidianidade do trabalho, da educação, do lazer, etc.
É recomendável que os prestadores de serviços e os usuários dos mesmos se beneficiem constantemente de uma atenção igualmente ativa e recíproca no processo klínico, sendo que o mesmo tenderá a ser cada vez mais coletivo, menos especializado e hierarquizado, assim como mais incorporado à existência diária.
É recomendável que se assuma que só estamos “enfermos” porque os ubíquos processos polimorfos de exploração, de dominação e de mistificação nos fixam em identidades e funções necessárias para a vigência de tais processos. Para poder “desmascarar-nos” dessas fixações, é preciso devir e acontecer infinitos “outros” (naturais, sociais, subjetivos e maquínicos) inumeráveis modos de forma e substância, conteúdo e expressão.
É recomendável enfatizar que o processo produtivo do qual somos parte é onipotente e inesgotável e que o mesmo está coartado, reprimido, acelerado ao infinito, ou capturado, ou recuperado, pela reprodução e pela antiprodução, cujos modelos dominantes são o Estado e o Mercado, dos quais somos peças. Assim, dito em um sentido muito amplo e polivalente, klínicos serão todos os procedimentos destinados a liberar-nos desses modelos dominantes para re-singularizar-nos continuamente. 
É recomendável ter em conta que todas as operações próprias do processo de produção podem entender-se e protagonizarem-se como dramatizações. Dramatização está aqui dito como sinônimo de todas as modalidades inventáveis de devir como realidades e de acontecer como sentidos drasticamente novos. Nesta acepção, dramatizar pode entender-se como inventar e inventar-se, produzir, revolucionar e... por que não?.... Klinicar! 
Da profissionalidade e das especificidades, que tenderão a se tornar cada vez mais modalidades de heterogêneses e de militância, involucrando a multiplicação dramática dos dispositivos de teorização e de intervenção. Trata-se de definir a prevenção como uma aliança para a plena realização da Vida, os transtornos como dificuldades existenciais, o tratamento como a atualização das virtualidades de que se dispõe e a reabilitação como a transmutação crítica dos mundos aos quais se pertence.
É recomendável que os dispositivos e recursos teóricos sejam empregados prevalentemente em sua dimensão pragmática, e que os agenciamentos interventivos se aproximem cada vez mais dos âmbitos e práticas da cotidianidade do trabalho, da educação, do lazer, etc.
É recomendável que os prestadores de serviços e os usuários dos mesmos se beneficiem constantemente de uma atenção igualmente ativa e recíproca no processo klínico, sendo que o mesmo tenderá a ser cada vez mais coletivo, menos especializado e hierarquizado, assim como mais incorporado à existência diária.
É recomendável que se assuma que só estamos “enfermos” porque os ubíquos processos polimorfos de exploração de dominação e de mistificação nos fixam em identidades e funções necessárias para a vigência de tais processos. Para poder “desmarcarar-nos” dessas fixações, é preciso devir e acontecer infinitos “outros” (naturais, sociais, subjetivos e maquínicos) inumeráveis modos de forma e substância, conteúdo e expressão.
É recomendável enfatizar que o processo produtivo do qual somos parte é onipotente e inesgotável e que o mesmo está coartado, reprimido, acelerado ao infinito, ou capturado, ou recuperado, pela reprodução e a antiprodução cujos modelos dominantes são o Estado e o Mercado, do qual somos peças. Assim, dito em um sentido muito amplo e polivalente, klínicos serão todos os procedimentos destinados a liberar-nos desses modelos dominantes para re-singularizar-nos continuamente. 
É recomendável ter em conta que todas as operações próprias do processo de produção podem entender-se e protagonizarem-se como dramatizações. Dramatização está aqui dito como sinônimo de todas as modalidades inventáveis de devir como realidades e de acontecer como sentidos drasticamente novos. Nesta acepção, dramatizar pode ser entendido como inventar e inventar-se, produzir, revolucionar e... Por que não?.... Klinicar? 


Por Gregório F. Baremblitt

2 - ACERCA DO PSICANALISMO, DE ROBERT CASTEL*

ACERCA DO PSICANALISMO, DE ROBERT CASTEL*

Por Gregório F. Baremblitt

O gentil pedido de uma opinião acerca desse clássico livro gerou em mim sentimentos intensos e às vezes contraditórios, assim como me despertou algumas interrogações. Começarei permitindo-me formulá-los em um tom “confissional”
Em primeiro lugar: porque será um texto, que, paradoxalmente, me parece, por sua vez, irrefutável e superado, se torna tema de polêmica quase trinta anos depois de publicado? Será como expressão de sua vigência ou das resistências que encontrou? Isto me alegra, mas me deixa perplexo.
Em segundo lugar: durante duas décadas, tive oportunidade de relacionar-me com uma quantidade considerável de psicanalistas e constatar que apenas uns poucos haviam lido tal escrito. Por outro lado, tive acesso a uma só resposta psicanalítica, publicada em um livro de Elizabeth Roudinesco, na qual o argumento de mais “peso” da mencionada autora consiste em “diagnosticar” Castel como “estalinista” (sic?). Isso me entristece (porque, para mim, Castel é um dos intelectuais mais libertários que li, além de ser uma das pessoas mais encantadoras que conheço). Mas isso não me surpreende.
Em terceiro lugar: nunca deixarei de sentir-me estupefato frente à capacidade de ignorar, ou de assimilar, sem reconhecer as fontes e racionalizar de acordo com sua conveniência, que a Psicanálise (dito em um sentido mais amplo que mais adiante definirei) demonstra. Talvez só o Capitalismo em geral e a Igreja Católica em particular podem igualar-se à Psicanálise nessa habilidade gatopardista de “mudar, trocar, para que tudo siga igual” Isso sempre me assustou, mas, ao mesmo tempo, de dou conta de que essa questão, no que se refere à Psicanálise, quase deixou por completo de interessar-me.
Agora bem: indo diretamente ao que importa a principal tese de Castel, parcialmente “traduzida” a uma terminologia institucionalista mais comum, consiste no seguinte: a Psicanálise, enquanto disciplina (se pretenda científica ou não) tem uma teoria, um metido e uma técnica que são próprios e exclusivos, o que impede, senão pelo contrário, implica que, tanto o conteúdo específico como os valores neles implícitos, se inscrevam como ideologias “teóricas” e “práticas”, nos sistemas de representação, o imaginário, atitudes, concepções e ações sociais (ou como queira chamá-los), que lhe são contemporâneos. De outro lado, por mais essa teoria, método e técnica hajam alcançado certo umbral epistemológico disciplinário, nem por isso deixam de estar embebidos, infiltrados, etc. por ideologias discursivas, textuais e operacionais que nela pervivem como remanescentes, assim como pelas quais são coexistentes e concomitantes.
Além disso, a Psicanálise não é uma disciplina que se define por um saber e fazer específicos, mas também é, intrinsecamente, uma profissão, que, como todas as outras, implica o exercício de um poder, a obtenção de uma ganância e adjudicação de um prestígio sui generis.
Mais ainda, a Psicanálise se compõe também inerentemente, de um Movimento Social, de Organizações Sectárias, de um arsenal publicitário e editorial, algumas de cujas funções consitem em produzir demanda de serviços, recrutamento de candidatos a agentes, de formação dos mesmos, etc. Finalmente, a Psicanálise gerou, a partir de seu equipamento tradicional (o chamado “tratamento individual”), uma série de “aplicações” acerca de cuja legitimidade muitos psicanalistas lutam no campo da Educação, Saúde, Justiça, Trabalho, Comunicação de Massas, Lutas, famílias, grupos, organizações, empresas, políticas públicas, etc., etc.
A essa expansão cultural e operacional, Castel chama “ampliação ideológica em círculos concêntricos a partir do divã., sendo que poderíamos denominar “assimilações” ao conjunto de processos inversos, de remanescências pré-fundacionais e das complicidades atuais que antes mencionamos.
Dadas todas essas implicações, e tal como ocorre de modo relativa, mas efetivamente inevitável com todas as disciplinas profissionais, por mais extraterritoriais que se autoconsagrem, a Psicanálise está determinada por causalidades heterogêneas, heterólogas e heteronômicas, para conhecer e neutralizar as quais carece, por deficiência, de um instrumental pertinente, mais além, ou mais aquém da pretensão de consegui-lo com seus próprios recursos disciplinares. Essa peculiaridade constitutiva faz com que a Psicanálise ignore, ou que não desconheça, mas se creia capaz de “neutralizar” ou abster-se dos efeitos supostamente “espúrios” das citadas causas: sua mancomunação com a exploração, a dominação e a mistificação históricas de seu entorno.
A isto se agrega que a Psicanálise está segura de ter muito a dizer acerca de todas as outras disciplinas profissionais (e sobre qualquer outra coisa), à medida que os enunciados e textos das mesmas têm a ver com o “sujeito” e seu inconsciente, tal como a Psicanálise o concebe. O extraordinário é que essa teoria não costuma considerar, nem assumir, o que todos os outros saberes e fazeres têm a dizer a respeito, e as poucas vezes em que o considera e assume, o faz sem reconhecer a origem da crítica em questão, cujos “direitos de autor” invariavelmente são atribuídos a si mesma, tanto quanto a impugnação é “podada” e atendida de forma que o que é supostamente essencial não mude. Mas isso não é tudo. Segundo Castel, a Psicanálise é a única disciplina que conseguiu incorporar “de jure” suas exigências de fato como profissão, uma real “identificação” entre o estatuto de uma Especificidade e o Contrato de uma prestação de serviços rentáveis. Por exemplo, sua relação com o dinheiro, que levou Lacan a dizer que cobrava caro suas sessões para que os “analisandos” pudessem valorizar a importância do “puro nada” que lhes dava em troca.
Escrevi mais acima que essa obra de Castel é tão irrefutável como superada. O mesmo Castel esclarece que se trata da crítica da especificidade e profissionalismo feitos desta obra: uma espécie de etnosociologia que não é intra nem meta psicanalítica. É com a Esquizoanálise de Deleuze e Guatari que a crítica da Psicanálise chega ao apogeu porque não se abordam apenas as relações de exterioridade entre a Psicanálise, a Ideologia e o Poder, mas também as de imanência, quer dizer que a Psicanálise e seu objeto são definidos como peças essenciais da produção de subjetividade capitalística, que se esboçam no Modelo de Produção Primitivo, se consolidam nas Formações Imperiais Asiáticas de Soberania e advém interiorizada com o universal no “homem íntimo” (imagem derivada da Axiomática do Capital), junto com a disciplina que “descobre” e convalida o estatuto universal e se ocupa de seu “serviço” interminável. Tais artefatos não melhoram demasiado por serem sofisticados com recursos filo-estruturalistas, topológicos, ou matêmicos de 
formalização pelo contrário esses “refinamentos” (ainda hieráticos e herméticos), não fazem senão evidenciar mais “pura” e abstratamente sua função reprodutiva da lógica do capitalismo.

*Artigo solicitado e publicado pela revista Subjetividades. Cidade de México. México. 2003.

Professor Gregório F. Baremblitt

sexta-feira, 30 de maio de 2008

1 - TRABALHO, REALIDADE E REALIZAÇÃO.

Por Gregório Franklin Baremblitt * 


A problemática que o título tenta enunciar é, ao mesmo tempo, muitíssimo vital, excessivamente vasta e saturadamente transitada, para poder expô-la em um artigo.
Por muitíssimo vital, quero dizer que nela está em jogo, nem mais nem menos, que a sobrevivência da espécie humana.
Por excessivamente vasta, entendo que está atravessada e transversalizada por causas e efeitos de TODOS os campos da existência. Sendo assim, é impossível tratá-la circunscrita ou especificamente, e menos ainda, a partir de um determinante que seja considerável como o último.
Por saturadamente transitada, suponho que a bibliografia a respeito é imensa, sem dúvida semeada de acertos, mas bastante longe de ser exaustiva e muito menos resolutiva.
De acordo com o dito, esta exposição (e nenhuma outra) não poderá, de maneira alguma, pretender ser: nem suficiente, nem demonstrativa, nem sequer ilustrativa... e, ainda, não pretenderá ser “neutra” nem objetiva.
Tentarei resumir o que são apenas reflexões em forma de enunciados sintéticos, baseados em um amplo, mas limitado, exame de vários textos mais ou menos “respeitáveis” sobre o particular:
1) É óbvio que o panorama mundial contemporâneo mostra a imposição geral do Capitalismo Planetário em vias de Integração. Os poucos países que ainda conservam um sistema econômico-político- “cultural”-”comunista”, estão em pleno e variável processo de hibridação do mesmo, com a chamada “Economia” (“material”, política, antropológica, semiótica e libidinal) de MERCADO. As distinções factíveis entre liberalismos, socialdemocracias, socialismos moderados, capitalismos de Estado, nacional-socialismos ou diversas ditaduras de “esquerda” ou “direita”, não têm, para o que tento expor, nenhuma importância.
2) A LÓGICA do CAPITAL, cujo MODO está definido pelo domínio exclusivo e omniabrangente da AXIOMÁTICA DO CAPITAL ABSTRATO (que compreende o capital monetário, fiduciário, informático, etc.), implica em: 
a) Que toda PRODUÇÃO e PRODUTO (sendo que para uma definição ampla, compreende TUDO quanto existe, e inclui o correspondente ao TRABALHO HUMANO e SEUS RESULTADOS), adquirem VALOR estritamente a tanto e quanto é traduzível em quantidades de capital.
b) Que, em função do dito acima, toda PRODUÇÃO e PRODUTO devem estar crescente e definitivamente orientados no sentido de serem gerados, comercializados e consumidos, como bens de troca e que TODA troca estará colocada a serviço do incremento, acumulação e concentração de capital.
c) Que, em função do dito em a) e em b), TODOS e CADA UM dos “momentos”, “operações” e “resultados” de TODA QUALIDADE, QUANTIDADE e INTENSIDADE de processos de PRODUÇÃO, REPRODUÇÃO, ANTIPRODUÇÃO, CONSUMAÇÃO e CONSUMO, devem ser INSTÂNCIAS de EXTRAÇÃO DE MAIS VALIA DE TODA ESPÉCIE (de Potência, de Riqueza, de Poder, de Prestígio, de Saber, de Desejo, de Gozo, etc.), os quais, não por sua diversidade, devem deixar de ser traduzíveis à citada EQUIVALÊNCIAS GERAL.
3) É ostensivo que a “meta” da AXIOMÁTICA do CAPITAL, está longe de estar plenamente implantada; é por isso que falamos de CAPITALISMO PLANETÁRIO em VIAS DE INTEGRAÇÃO; tanto assim, que no Planeta coexistem atualmente TODOS os MODOS classicamente conhecidos de organização da VIDA (Natural, Econômica, Política, Social, Semiótica, Subjetivo-Libidinal, Maquínica, etc.), mas crescentemente subordinados à forma denominada “AVANÇADA”, “PÓS-INDUSTRIAL”, “ULTRAMODERNA”, do CAPITALISMO PLANETÁRIO... não em vão chamada TRANSNACIONAL, GLOBALIZADA, etc.
4) É absolutamente irrefutável que a MEGA-MÁQUINA (segundo a terminologia de G. Deleuze e F. Guattari, adotada a partir de uma idéia de L. Munford), organizada segundo esta LÓGICA, constitui uma parafernália que DETERMINISTICAMENTE (embora AINDA não fatalmente), funciona, cada vez mais rigorosamente, segundo a célebre fórmula de Marx: “... de maneiras “objetivas”, necessárias e independentes da vontade dos “homens”. A rigor, deveríamos ampliar e esclarecer tal postulado dizendo: 
“De maneiras necessárias que produzem, reproduzem, empregam, insumem, consumem e destroem aos “homens” (subjetividades e atos, desejos e fantasmas inconscientes, intenções-representações e interesses pré-conscientes-conscientes) e ainda as IMAGENS HISTÓRICAS DE “HOMEM”. 
5) Também é indiscutível que, A INCAPACIDADE RELATIVA DO CAPITALISMO: tanto para REGISTRAR, CONTROLAR, E CAPTURAR as colossais POTÊNCIAS PRODUTIVAS cuja emergência ELE MESMO PROPICIA, como para NEUTRALIZAR os efeitos ANTIPRODUTIVOS de suas plenamente vigentes CONTRADIÇÕES... TORNA A REALIZAÇÃO DE SUA AXIOMÁTICA ASSINTÓTICA E FINALMENTE IMPOSSÍVEL.
Essa INCAPACIDADE é RELATIVA, porque o Capitalismo é o Modo de Produção da Vida mais ágil, versátil e autocorretivo que nunca existiu na História Universal. Tanto é assim que, não só consegue arbitrar recursos e meios para “superar” suas crises, senão que aprendeu a VIVER COM elas e DELAS. O ameaçador problema dessa IMPOSSIBILIDADE ASSINTÓTICA e FINAL é se a mesma afetará apenas a subsistência do MODO CAPITALISTA, ou o da ESPÉCIE HUMANA EM SEU CONJUNTO.
6) Em minha opinião, é claro que as inumeráveis discussões e lutas atuais acerca da importância relativa e a defesa ou ataque conseqüentes da participação do Estado-Nacional ou das Entidades Deliberativas Estatais Multinacionais, dos Sindicatos Nacionais ou Internacionais, ou dos Mercados Nacionais ou Transnacionais, na regulação dos citados processos de PRODUÇÃO, REPRODUÇÃO , DISTRUIBUIÇÃO ou ANTIPRODUÇÃO, não carece de importância nem de peso nas situações conjunturais que afetam o panorama mundial. Mas, considero essencial que se tenha CLARAMENTE EM CONTA, NA AVALIAÇÃO da gestão das MESMAS que, DENTRO da LÓGICA do CAPITALISMO, NÃO EXISTE SOLUÇÃO VIÁVEL PARA O DESTINO LETAL AO QUE ANTES ME REFERI, SE POR SOLUÇÃO SE ENTENDE (em primeiro lugar) A CONVINCENTE EVITACÃO DA DEGRADAÇÃO PARCIAL OU A DESTRUIÇÃO TOTAL DE ENORMES CONTINGENTES NATURAIS, SOCIAIS, SUBJETIVOS E TECNOLÓGICOS.
7) Sem entrar a discutir, no momento, qual é a redefinição contemporânea dos conceitos de reformismo ou de revolução que a experiência histórica recente exige, cabe pontuar, a partir da abordagem teórica da questão, o seguinte: 
a) Segundo sustento, o principal obstáculo a ser removido na compreensão e avaliação da situação atual, aos fins de sua transformação práxica, consiste em impugnar DRASTICAMENTE todos e cada um dos aspectos das diversas versões do que denominei HORIZONTE do POSSÍVEL, dominantes no presente panorama.
b) Por HORIZONTE do POSSÍVEL entendo todas as suposições formalizadas “cientificamente” ou mais ou menos pragmáticas QUE LEVAM A ACREDITAR EM QUALQUER SOLUÇÃO PELO APERFEIÇOAMENTO “MODESTO” E “REALISTA” (“Progresso, “Evolução”, “Desenvolvimento”) 
-DA ORDEM CONSTITUÍDA VIGENTE E DE SUA LEGALIDADE (Estado de Direito das Democracias Indiretas Representativas e da Propriedade Privada),

_ DA REGULAÇÃO INTEGRAL PELA “RAZÃO” DE ESTADO E/OU PELA DOS MERCADOS (“Livre” ou “Controlado” Empresismo competitivo, basicamente inspirado na Lógica de Capital), 
-DA PRESUMÍVEL “ESSÊNCIA” (DIVINIZADA, NATURALIZADA OU HISTORICISTA), mais ou menos “eterna”, mais ou menos “invariável”, mais ou menos “limitada” de uma SUBSTÂNCIA DA REALIDADE HUMANA E NÃO HUMANA, 
- DA CONDIÇÃO ONTOLOGICAMENTE “CARENTE”, “ESCASSA”, E “PRECÁRIA” de tal REALIDADE HUMANA E NÃO HUMANA QUE LEVA A CONSAGRAR o MODO TRIUNFANTE e sua AXIOMÁTICA como sendo “O MENOS PIOR POSSÍVEL DOS SISTEMAS DE ORGANIZAÇÃO DA VIDA”.
8)A RADICAL REJEIÇÃO DO PARADIGMA DESSE “HORIZONTE DO POSSÍVEL”, entre outras importâncias, terá o valor de colocar-nos ABSOLUTAMENTE FORA das qualificações MANIQUEÍSTAS DO TIPO DE “PESSIMISTAS” OU “OTIMISTAS”, que tomam por única referência o estado de coisas e de “espírito” tendencialmente monolítico imperante atual.
Essa posição nos permitirá pensar e trabalhar com a indeclinável convicção de que EM TODA PARTE E AGORA (UTOPIA ATIVA) não existem SUBJETIVIDADES NEM OBJETIVIDADES QUE NÃO POSSAM SER ABOLIDAS NEM REINVENTADAS (DITO NO SENTIDO AMPLO DE TRABALHO INVENTIVO).
É EXATAMENTE A FORMIDÁVEL CAPACIDADE PRODUTIVA E INVENTIVA, ALCANÇADA NESTES ÚLTIMOS DUZENTOS ANOS, O QUE FAZ DECIDIDAMENTE CERTO O DEVIR EXUBERANTE DA REALIDADE E DE SUA REALIZAÇÃO... ASSIM COMO O ESTREITO, MESQUINHO E MUTÁVEL CARÁTER DE SUAS OPÇÕES CONTEMPORÂNEAS.

* Gregório Franklin Baremblitt é Médico Psiquiatra. Esquizoanalista. Coordenador Geral do Instituto Felix Guattari de Belo Horizonte.


Gregorio F. Baremblitt,

domingo, 18 de maio de 2008

2 - “Time is money" ou "money is time?”

Por Gregório F. Baremblitt*.
Tradução: Dalva A. Lima.

Se for verdade, como dizem alguns historiadores, que a consigna que encabeça este artigo foi cunhada durante a passagem da hegemonia do capitalismo inglês para o norte-americano, vale a pena pensar a respeito.
Segundo parece, essa substituição, uma vitória, se deve à confluência de numerosos componentes, sendo que um deles se destaca. Trata-se da fundação das grandes empresas corporativas verticais, polifuncionais, integradas. As mesmas incluíam boa parte ou todos os equipamentos e recursos humanos necessários para cumprir quase todas as etapas de processamento de seu produto ou serviço: desde o desenho até à venda para o consumo de massas. Essa onivalência, para dizê-lo abreviadamente, facilitava o planejamento e os controles, diminuía os custos, aumentava desde a produtividade até à comercialização. Mas esses lucros se geravam em virtude de um fator que modulava tudo: a velocidade. É supérfluo recordar que, nesse caso, velocidade se define como o tempo consumido na realização de todas as operações em jogo.
Um aspecto essencial dessa velocidade era o investimento em tecnologia, que produzia sistemas maquinários para cada operação, cada vez mais rápidos. Essa arquitetura empresarial, se por um lado gerava poupança, por outro, era deliberadamente cara. Planejada em função de um desenvolvimento em longo prazo, prevenia, entre outros perigos, contra as crises de acumulação, concentração e também, devido ao rigoroso e incessante feed back da informação sobre o consumo, as crises de hiperprodução.
Em princípios do século XX, essas grandes corporações eram exclusivamente norte-americanas, porém, muito rapidamente, se foram instalando em outros países, replicando o modelo original ou alguma das etapas de seu processamento, sem deixar de ser americanas. 
É claro que esse modelo coexistia, tanto no país de origem, como no mundo inteiro, com a pervivência de muitos outros, mas com grande aceleração os ia superando na conquista dos mercados locais e externos.
Deixemos aqui de lado a complexa multidão de fenômenos sociais, políticos, econômicos e culturais que se foram gerando durante o transcurso do século para chegar, nas últimas duas décadas, á globalização, segundo o projeto neoliberal. Desde logo, os paradigmas empresariais variaram extraordinariamente. Mantenhamo-nos, todavia, nesse modelo empresarial vertical polivalente integrado, apenas para ilustrar um vetor, talvez não tanto relevante, como ilustrativo. Durante e New Deal, essas empresas foram intimadas por Roosevelt a alterar seus planos estratégicos, cuidadosamente escolhidos, para dirigi-los para a construção de infra-estrutura e criação de postos de trabalho. Na segunda guerra mundial, novamente, as corporações foram parcialmente obrigadas a redirecionar-se para o suporte logístico e a indústria bélica e, até certo ponto, o mesmo ocorreu durante a guerra fria e a série de onerosas "barras pesadas" da Coréia, Vietnã, Irã, Panamá, Granada etc., e, logo a guerra do Golfo.
Não pretendemos sustentar que nesses empreendimentos, por diversas razões, forçados, as corporações não haviam tido benefícios astronômicos; tampouco ignoraremos o peso competitivo da formação da Comunidade Européia e do bloco nipônico e oriental. Aqui só queremos destacar duas conseqüências dessas vicissitudes:
O processo de reinversão da ganância deixou de ser investido estritamente de acordo com o feed back do consumo para dedicar-se a uma expansão competitiva, excedendo os parâmetros clássicos que regiam essas organizações. 
Parte da ganância foi desviada para a especulação financeira dos relativamente novos produtos bolsistas. Estas duas variações de rumo deram início, (ao nível restrito que estamos analisando), à introdução de uma tessitura aleatória na rotina veloz, mas regulada, das corporações. Esse foi um dos primeiros movimentos que iriam gerar o endividamento impagável, a hipoteca do futuro, a subordinação das corporações ao capital financeiro e a multiplicação das fraudes, quebras, incorporações minoritárias etc. O perigo principal já nem sequer é dos cartéis e monopólios que Friedman se empenhava em ridicularizar.
Esse processo está, na atualidade, sucedendo-se com uma celeridade geométrica, e é uma das causas importantes da metamorfose do “time is money” em “money is time”.
Mutatis mutandis, o mesmo ocorre com os Estados Nacionais e até com a manutenção das entidades multinacionais como a ONU, a UNESCO, etc. O capital financeiro tende cada vez mais a estar sediado, não em corporações, nem Estados, nem com proprietários localizáveis. É um monopólio anônimo e ubíquo. Nem os liberais, nem os neoliberais, nem o neonacionalismo protecionista, nem o livre empreendimento, nem as corporações, multicorporações nem transcorporações podem com ele.
Isso que descrevemos é apenas uma abordagem (desde o prisma empresarial capitalista) do processo segundo o qual o dinheiro (como equivalente geral) se está metamorfoseando de mercadoria-insumo do processo de produção capitalista, em dono do tempo e da vida. 
Se “outro mundo é possível”, não o será sem incluir a abolição desse império.



*Gregorio F. Baremblitt é Livre Docente Autorizado de Psiquiatria pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nacional de Buenos Aires. Analista Institucional e Coordenador Geral do Instituto Felix Guattari de Belo Horizonte. Minas Gerais. Brasil.

sábado, 10 de maio de 2008

3 - DEZ CONSIDERAÇÕES PARA TENTAR CLAREAR OS TERMOS SUBJETIVIDADE E SUBJETIVAÇÃO EM ESQUIZOANÁLISE.

Por: Gregorio F. Baremblitt

1.0. Estas linhas tentam precisar dois "esquizoemas" (unidades semióticas do discurso da ação esquizoanalítica, Baremblitt, 2004) da obra de Gilles Deleuze e Félix Guattari, que não estão suficientemente definidos, e cuja caracterização mais precisa parece-nos importante para os diversos empregos da Esquizoanálise. Algumas das principais dificuldades para entender tais postulações (obstáculos esses que os autores reconhecem e marcaram) são:

a) a tradicional e estreita associação entre as imagens históricas do ser, do humano e do subjetivo, que vão, desde uma atribuição que se costuma dar-lhes de "naturalidade", até uma de "transcendência". Tais figuras são dotadas, ou de uma universalidade, essencialidade per si e invariância tout court, ou de uma universalidade indutiva que reúne diferenças limitadas, baseadas na relação entre constantes ou invariantes, variáveis dependentes e intervenientes;

b) as construções modernas de diversas especificidades, que, exatamente para combater o conhecido antropomorfismo, estabelecem a inerência entre o subjetivo e a estrutura dinâmica das formas de semiologização significante;

c) a concepção hierarquizada, evolutiva, compartimentada por especificidades dos "níveis" da realidade: físico, químico, biológico, sócio/político/econômico, semiótico, científico, tecnológico... e subjetivo;

d) a centralização, unificação, totalização, homogeneização e atribulação exclusiva e excludente de certas funções à forma-sujeito, capaz de transformações limitadas e algebricamente formalizáveis, mas, em última instância, idênticas a si mesmas;

e) a divisão e descentralização da citada forma em campos determinantes e determinados específicos, (por exemplo: consciente e inconsciente, estruturante e estruturado);

f) a definição de sujeito "individual" como "uno" e a de coletivo como múltiplo (muitos desse uno);
g) a separação natureza/cultura, a identificação de cultura com os sistemas simbólicos, e a atribuição ao humano de ser a cúspide hegemônica dessa divisão.

2.0. Importante assinalar que, em Esquizoanálise, quando se fala de expressão, a subjetividade e subjetivação podem funcionar como filosofemas, conceitos científicos, variações artísticas, noções, opiniões, afecções. Em uma terminologia científica muito difundida, podem denominar-se construtos, perceptos, fatos, etc. Esse funcionamento é, ao mesmo tempo, parte das semióticas que se acoplam, digamos, referencialmente, a realidades e realteridades (as realteridades entendidas como campos virtuais, vontades de potência, superfícies da produção desejante, etc. Baremblitt, 2004) ou as compõem intrinsecamente, sendo-lhes sempre imanentes. Subjetividade e subjetivação, como semiotizações ou como "fatos" são, imanentemente, vertentes dessas realidades.

3.0. Postulamos que a realidade e a realteridade funcionam como processos. Em esquizoanálise, porém, é preciso falar das citadas vertentes como processos de subjetividade e subjetivação.
Como todos os demais, os de subjetividade e subjetivação são processos de produção (com prevalência da produção de produção, da reprodução e da antiprodução). Denominamos processos de produção de subjetividade àqueles em que prevalece a produção de reprodução e de antiprodução. Coerentemente, denominamos processos de produção de subjetivação àqueles em que prevalece a produção de produção.

4.0. Como os processos da realidade são andamentos discretos, de temporalidade cronológica ou sincrônico/diacrônica e de espacialidade estriada e extensiva, os índices dos processos de subjetividade e subjetivação comportam uma duração e uma situação que os tornam (para usar uma palavra difundida) ostensivos para os componentes "observadores" que estudam e, às vezes, integram tais processos.

5.0. Como os processos da realteridade são andamentos em variação contínua de enementos (de n – infinito, Baremblitt, 2004), de durações temporais aiônicas (tempos intempestivos incomensuráveis) e em espaços lisos (não internamente divisíveis e de limites externos difusos), as condições de subjetividade e subjetivação são indiscerníveis nos citados campos. Isso não implica que não sejam insistentes (o que, dito com fins didáticos, seria o correlato de existentes na realidade).
A proposta esquizoanalítica de que a produção é imanentemente, produção desejante, tem a ver com essa definição, apenas com o esclarecimento de que, nesse contexto, desejante não significa um componente impulsor desejante faltoso e restitutivo subjetivo. Implica, sim, que é "desejosa de produção", tendendo a incessantes sínteses conectivas inclusas, mutacionais, ou, como se diz em Esquizoanálise, (a nosso entender, não muito felizmente): autopoiéticas e irreversíveis. Em lugar de tais termos, de demasiadas reminiscências biológicas e físicas, proporíamos os de autoprodutivos e autopromultiplicitáveis. (Baremblitt,2004).

6.0. Um dos platôs paradigmáticos da Esquizoanálise divide a realidade/realteridade em campos de: caos, caosmos e cosmos. Na sinteticidade do presente texto, diremos que tais composições são, por sua vez, imanentes e discerníveis, e se processam, tanto determinística, como aleatoriamente, em proporções variadas. Isso faz com que funcionem em e entre elas, no mínimo, através de quatro "procedimentos" essenciais:
a) a transversalidade; b) a heterogênese; c) o maquinismo; d) a esquizodramatização.

a) Devido à transversalidade, realidades e processos do caos e caosmos transpõem, decompõem e compõem umbrais de formas e substâncias de conteúdo e expressão identitárias e identificáveis, produzidas por equipamentos de saber e poder funcionais à reprodução da formação social em pauta para estabelecer conexões "à distância", cujos trajetos não são traçáveis e cujas concretudes são distópicas e bizarras.

b) Devido à heterogênese, a transversalidade produz, sintetizando enementos de dupla “natureza", diferentes (como veremos) por sua vez, auto-gerados, cuja produção se efetua e resulta em expoentes inclassificáveis, anômalos entre - genéricos, entre - específicos e entre - individuados. Dizemos entre e não inter, porque esse lapso entre é o que mais e melhor representa o Fora Absoluto no interior do Dentro de qualquer totalização estabelecida, identitária e identificável.

c) Três acepções de maquinismo parecem-nos pertinentes e o são, de fato: uma, restrita, que implica no funcionamento da transversalidade e da heterogeneidade no campo especializado da realidade tecnocientífica (as famílias ou filus maquínicos, suas alianças gerativas e geracionais (genealógicas) com as outras realidades, em especial, com o socius), etc; outra, ampla, que designa o funcionamento da transversalidade e da heterogênese entre todos os corpos (entendendo corpo como qualquer entidade concomitantemente intensiva, extensiva e temporal, incluídos os artifícios tecno-científicos); e uma terceira, que se restringe à constituição caosmótico-virtual de máquinas abstratas realteritárias, ainda que virtuais e atualizáveis, universais, como o conjunto aberto de suas respectivas singularidades, abstratas e transcendentais (não transcendentes), materiais, sem haver chegado a coagular-se como materiais, nem corpóreas, nem semióticas, concretizáveis em dispositivos compostos por agenciamentos maquínicos de corpos (máquinas concretas), mais ou menos permeáveis (crivadas...Baremblitt, 2004) às segmentariedades flexíveis e outros enementos.

d) Esquizodramatização (Baremblitt, 1970) é o nome que damos às concretudes das máquinas que se concretizam por meio dos atos-ações protagonizados pela transversalidade, a heterogênese e o maquinismo atuando, conjunta e imanentemente, para produzir a transmutação de uma ou várias entidades ou circunscrições identitárias e identificáveis... em outras, que apenas evocam as primeiras ou as metamorfoseiam e inovam por completo. Dito de outra maneira: a conjunção do paradigma: caos, caosmos, cosmo, e seus atos-ações processuais de transversalidade, heterogênese, maquinismo concretizam-se dramaticamente como novos cenários, personagens, coreografias, cenografias, scripts de literatura menor, etc.

7.0. Cada formação histórica (no sentido mais amplo, inclusivo, real, possível e impossível, realteritário, virtual) está composta por máquinas abstratas que se efetivam através de máquinas concretas ou dispositivos/agenciamentos (coletivos de enunciação, e maquínicos de corpos, em pressuposição recíproca), todos conectados entre si segundo diferentes regimes e sínteses. Essa diversidade é sempre simultaneamente resistencial e mutante. Resistencial tem dois sentidos: 1º) o da luta do identitário por permanecer, ainda que através de suas variações reguladas; 2º) o do combate do mutante por ouvir as constrições designadas pelo primeiro sentido recém exposto.
Transpondo conceitos nietszchianos, denominamos o resistencial reprodutivo e antiprodutivo como negativo-reativo (não confundir com reacionário, ainda que essa modalidade esteja sempre incluída); e ao resistencial reprodutivo denominemos de afirmativo-ativo. (Não confundir com "positivo", nem no sentido filosófico positivista, nem em suas conseqüências históricas). 
O resistencial reativo passivo sempre apresenta gretas, falhas, ou como se queira chamá-las, por onde o resistencial afirmativo foge (não confundir com escapar ou com escapismo, ainda que valores em jogo em práticas escapistas devam ser também sopesados). 
A rigor, é recomendável ter em conta que, assim como todo objeto tem duas metades, uma virtual, intensiva, singular, e outra existencial, identitária ordinal, cada subjetivante tem uma metade dos tipos mencionados. Essa bivalência faz com que seu saber epistêmico, ou sua potência experiencial se ativem, preferencialmente, segundo as sínteses e as interfases em que se engrenem. Cada formulação histórica gera e é gerada por máquinas abstratas que se atualizam, efetuam e concretizam-se em inumeráveis dispositivos (máquinas concretas), uma de cujas dimensões é sempre subjetivante. 
Os processos subjetivantes podem ser resistenciais, reprodutivos, antiprodutivos-negativos-reativos ou, pelo contrário, resistenciais produtivos-afirmativos-ativos. No primeiro caso, chamá-los-emos subjetividades; no segundo, subjetivações e, em todos os casos, as mesmas compõem multiplicidades que se conectam em todas as direções (cardinais e ordinais) e se efetuam em identidades seriais ou em singularidades incomensuráveis e inequiparáveis.
O mais importante a ser captado na presente síntese é o que chamamos vertente subjetivante de cada dispositivo (composta de funcionamentos intelectivos, volitivos, sensitivos, afetivos, intuitivos, imaginativos, expressivos etc.), produzidos ad hoc como constelações únicas (não confundir com unitárias), diferenciais, multiplicitárias, em suma, singulares.
As mesmas, em sua implantação, podem ou não constituir sujeitos (também diferenciais, multiplicitários e singulares). Tais sujeitos-componentes devem, segundo o dispositivo e os processos aos quais pertençam, ser coerentes em forma e substância de conteúdo e expressão com as produções de subjetividade ou de subjetivação que os integram. 
Quando os sujeitos se constituem e funcionam como peças de subjetividades, é fato freqüente que se construam como o sujeito padrão edipiano, inteiramente normativizado, ou não, sujeito este cujo apogeu e pseudo-universalidade é essencial ao capitalismo planetário integrado. 
Quando funcionam como peças de subjetivações, estão constituídos e funcionam por formas, substâncias e atos-ações de conteúdo e expressão absolutamente "originais", ou seja, são multiplicitários e se destacam como singulares. 
Para ilustrar este ponto, digamos que, segundo os casos, até o dispositivo mesmo, completo, com seus processos de subjetivação e subjetividade pode ser seu próprio sujeito.
Nas formações históricas imperiais despóticas, a instância suprema se representa como a unidade de Deus, o corpo do Déspota e o dispositivo Estado. Não obstante, esta configuração não implica em que tal formação não esteja constituída por uma multiplicidade de dispositivos, de modos de subjetivação, ainda que o mencionado sujeito supremo não seja uma peça de processos de produção de subjetividade e subjetivação. 
Vale destacar que os processos são intervenientes em diversas proporções, como se mostra magistralmente no livro de Antonin Artaud "Heliogábalo, o Anarquista Coroado". A potência mutante histórica desta co-presença é o que varia segundo as formações históricas em pauta.

9.0. As investigações das psicologias e psicopatologias da consciência, da conduta da pessoa, (especialmente as que se atribuem alguma dimensão grupal, organizacional e social), etc., assim como as que poderíamos denominar antropológicas da "mentalidade primitiva" e outras ciências já deram numerosas provas imperfeitas da construção histórica heterogênea do sujeito. Os estudos sobre transitivismo, o animismo, a magia, etc., serviram bem para a presente concepção.
A Psicanálise contribuiu com a invenção do inconsciente, do sujeito dividido e descentrado, e com a conceituação dessa divisão e descentramento modelada, segundo a distinção entre o sujeito do enunciado e o da enunciação e a constituição relacional deslizante do sujeito nas substituições metonímicas e metafóricas da cadeia significante. Importa também a idéia do objeto pequeno a, que salta da cadeia significante e funciona como "peça" do desejo do sujeito. Não menos sugestivos são os conceitos de mundo interno, o self fragmentado e povoado por sujeitos e objetos parciais, assim como pelas operações de identificação introjetiva, projetiva, suas posições esquizoparanóide e depressiva, etc. Todas essas noções são precursoras de esquizoemas.
Com todas as limitações, as postulações de um sujeito grupal que constitui e emprega funções supostamente pertencentes aos sujeitos discretos que são partes separadas do conjunto, a idéia de um aparato psíquico grupal, de "psicologia de massas" ou de funções, pelo menos em parte, subjetivas, como a da "consciência de classe" e a teoria da ideologia, ou o "caráter social médio", ou a história das mentalidades, são todos antecedentes significativos. Assim como filosofia, todas as ciências, especialmente a macro e a microfísica são também, para a esquizoanálise, fontes tão ou mais importantes que as disciplinas da subjetividade. 
Mas não é apenas a partir de uma transdisciplinaridade levada ao extremo que a esquizoanálise trabalha. É da tecnociência, da literatura, da pintura, do teatro, do cinema, da música, da arquitetura, da moda e, especialmente, do mito e do delírio de onde ela "extrai" sua teoria da produção de subjetividade e subjetivação. O essencial é entender que não se trata de "aplicações" sistemáticas de disciplinaridades, especificidades ou de saber-fazeres convalidados ou sacralizados, e, sim, de sua reinvenção e remontagem fragmentária e bricoleur que se compõem as realidades e realteridades esquizoanalíticas.
Guattari insiste em que, tanto a subjetividade como a subjetivação, em seus componentes de realidade e de realteridade, devem ser abordadas desde seu seio e durante a invenção e o processamento dos dispositivos nos quais se produzem e dos quais fazem parte. A maquinaria acoplada para interligar, mudar ou intensificar essas subjetividades e subjetivações também produz, durante o processo, as subjetividades que entorpecem e as subjetivações que a promovem. A captação das realidades e processos que acolhem esse processo de análise e intervenção deverá ser realizada em uma modalidade prática vivencial, muito mais derivada de um paradigma ético, estético, político, que dos filosóficos e científicos convencionais.
A subjetividade e subjetivação estão longe de ser processos prioritariamente universais, no sentido do universal dominante, constituído por abstração de identidades, semelhanças, homologias e também oposições, e constantes naturais, componentes e efeitos semiológico/lingüísticos (também dissimuladamente universais e invariantes), ou de narrações de vivências íntimas ou exames de comportamentos observáveis, expostos por artefatos de investigação que os predeterminam e limitam. A subjetividade e a subjetivação são produções que interessam por sua condição insólita e singular, produzida e estudada com o emprego dos recursos mais artificiais e dispositivos mais variantes e concomitantes concebíveis.
Se aceitarmos que a produção (muito figurativamente chamada humana) é sinônima do artificial na história, é a subjetividade e a subjetivação como invenções artificiais que as faz interessantes. Artificialidade, porém, que não se refere apenas à evidenciada pela historicidade nunca originária, nem genética, nem evolutiva, nem unitária, nem tecnológica dos modos subjetivantes... Tampouco tal artificialidade deve atribuir-se exclusivamente ao forte componente tecnocientífico, por exemplo, dos sistemas informáticos, telemáticos, automatizantes, ou às crescentes hibridações transgênicas ou transistêmicas. Destacaríamos que artificial pode ser entendido prevalentemente como pós-humano ou neo-humano. Se o artificial é paradigma, é porque é o mais clamorosa e exclusivamente produzido, ou seja, não naturalizado, nem tornado metafísico, nem transcendente.

10.0. Neste momento da exposição, é interessante transcrever literalmente uma formulação definidora de subjetividade e subjetivação tomada de Félix Guattari. A eleição da mesma deve-se, principalmente, ao fato, apenas bibliográfico, de ser um parágrafo em que se ensaia uma definição mui relativamente próxima ao que se entende como tal nos discursos acadêmicos. Isto sem esquecer (como veremos mais adiante) que Guattari oferece, no transcurso de toda a sua obra, abundantes recursos para referir-se à subjetividade e à subjetivação de outras maneiras, decididamente próximas aos propósitos de nosso escrito.
Em "Caosmose, um novo paradigma estético" (pág.19, Ed. 34, 1992. RJ.) Edição em português traduzida pelo autor destas linhas, Guattari escreve que a subjetividade é: 

"o conjunto de condições que torna possível que instâncias individuais e ou coletivas estejam em posição de emergir como território existencial auto-referencial, em adjacência ou em relação de delimitação com uma alteridade, ela mesma subjetiva".

Tentando uma correlação entre esta definição e o tratamento aqui dado ao tema, apontemos que, na primeira definição citada... "o conjunto de condições que torna possível que instâncias individuais e/ou coletivas estejam em posição de emergir" merece algumas observações...
Nesse parágrafo, o termo emergir expressa uma polissemia compreensível. Impressiona-nos que "emergir" (apesar das reminiscências heiddegerianas) implica tanto em "fazer-se perceptível ou revelar-se", como "chegar a certo momento de pregnância em seus processos produtivos". Já "o conjunto de condições que tornam possível que instâncias individuais ou coletivas estejam em posição de emergir" é passível de algumas interrogações, ou mesmo de críticas, pelo menos, instigantes. Se a subjetivação e a subjetividade são produzidas, os processos de produção, suas atualizações, efeitos, produtos, etc. não são "condições de possibilidade de emergência"; segundo expusemos, são montagens imanentes, transversais, heterogênicas e dramáticas de produção de produção de reprodução e de antiprodução aleatórios e/ou determinísticos de subjetividade e subjetivações. 
As mesmas se valem de instâncias individuais ou coletivas "terminais" através das quais podem "emergir" ontológica e gnoseologicamente, mas sua importância definidora afirmativo-ativa ou negativo-reativa não radica nas peculiaridades de sua "emergência" e, sim, no andamento de seu próprio processo, à medida em que subjetividade e subjetivação são sempre vertentes indispensáveis e presentes em todo dispositivo. Guattari deixa claro, em outras passagens do mesmo escrito, que a emergência por meio de instâncias individuais ou coletivas interessa menos do que o fato de que as subjetividades e, em especial, as subjetivações, são linhas ou áreas de multiplicidades rizomáticas, dobras e redobras de uma substância processual imanente, descontínua. 
A definição citada, porém, parece-nos enfatizar demasiadamente (como já adiantamos) as "condições de possibilidade de emergência", tanto quanto a natureza empírica ou cientificamente caracterizada de seus "suportes" de emergências possíveis” e de sua posição para fazê-lo. A emergência, ainda que... "como território existencial auto-referencial, em adjacência ou em relação de delimitação com uma alteridade, ela mesma subjetiva”... já está mais coerente com a teoria esquizoanalítica. Permitimo-nos supor, porém, que esse território pode, mas não necessita ser auto-referencial. 
Esse termo pode significar uma exigência de capacidade de autocaracterização, que recorda a imposta inveteradamente para o Sujeito e se baseia em um desdobramento, uma de cujas fórmulas mais difundidas é a reflexividade do "ter consciência de si". Guattari o diz, com todas as letras, quando afirma que o sujeito (como entidade geral) surge quando, por exemplo, se impõe "pensar que pensa". Mas, a auto-referência pode expressar outro sentido esquizossemiótico. Trata-se da autorreferência como componente de um diagrama de logística, estratégia, táticas e técnicas de um dispositivo e seus componentes subjetivantes. Algo parecido ocorre com..."em adjacência ou em relação de delimitação", semantemas espaciais concernentes a níveis ou aspectos identitários estriados de registro, talvez próprios dos produtos da produção de subjetividades, mas não necessariamente dos de subjetivação.
Em esquizoanálise, o inconsciente, entendido como produção desejante, em sua vertente subjetivante, tanto a auto-referência, como a adjacência e a delimitação por relação a alteridades subjetivas não são significativas. Se, na superfície da produção, não há sujeito-outro, e se o Grande Outro lacaniano pertence à Ordem Simbólica, que se efetiva em registros subjetivos de alteridade por sínteses disjuntivas excludentes: o isso ou outro, a única alteridade que interessa no caosmos, é a do Fora Absoluto "exterior" ou "interior"
Por outro lado, a alteridade das subjetivações produzidas, consiste em sua singularidade porque cada uma delas implica alteridade em relação ao conjunto infinito e difuso de "todas" as outras. Devemos recordar e insistiremos mais adiante que as subjetivações são devires-acontecimentos e, por tanto, podem ser alteridades minerais, vegetais, animais, etc. Certas dificuldades da definição de subjetividade e subjetivação passam por reminiscências do antropomorfismo e linguisticismo e pelo emprego de idéias, conceitos ou noções que, todavia, são esquizoemas.

11.0. Na obra "As Três Ecologias", (página 17, Ed.Papirus. Campinas, 1990, edição em português traduzida pelo autor dessas linhas, Guattari escreve: "Ao invés de sujeito, talvez fosse melhor falar de componentes de subjetivação, trabalhando cada um, mais ou menos por conta própria. Isso conduziria necessariamente a reexaminar a relação entre o indivíduo e a subjetividade e, antes de mais nada, a separar nitidamente estes conceitos. Esses vetores de subjetivação não passam necessariamente pelo indivíduo, o qual, em realidade, se encontra em posição de "terminal" com respeito aos processos que implicam grupos humanos, conjuntos socio-ecnômicos, máquinas informacionais, etc. Assim a interioridade se instaura no cruzamento de múltiplos componentes relativamente autônomos uns em relação aos outros, e, se fosse o caso, francamente discordantes”.
Essa segunda definição citada nos dá uma série de apoios para aclarar nossas dúvidas. Guattari chega a essa formulação depois de concluir que "O sujeito não é evidente, não basta pensar para ser, como proclamava Descartes, já que inúmeras outras maneiras de existir se instauram fora da consciência, ao passo que o sujeito advém no momento em que o pensamento se obstina em apreender-se a si mesmo e se põe a girar como um pião enlouquecido, sem enganchar em nada dos Territórios reais da existência, os quais, por sua vez, derivam uns em relação aos outros, como placas tectônicas sob a superfície dos continentes".
Temos insistido em que os processos de produção de subjetividade e de subjetivação, ainda que suas efetivações sejam distintas, não são, em absoluto, conscientes. Quando Guattari fala dos "componentes de subjetividades", é bastante provável que aluda a tais processos, mas, no contexto, parece referir-se mais a componentes realitários, chamem-se sujeitos ou territórios existenciais. O problema não consiste em que o sujeito reflexivo não enganche nada dos territórios reais da existência nem tampouco em que o sujeito não seja evidente. Pelo contrário, o que se estabeleceu chamar de sujeito (seja no texto ou discurso) é evidente. A questão radica em que, tanto a evidência do sujeito, como a dos territórios existenciais em que se evidencia, são produzidos. O chamado sujeito é o terminal de um processo de produção de produção de reprodução e de antiprodução complexamente inseparáveis dos que geram, distinguem e evidenciam o dos indivíduos biológicos, personas psicológicas ou jurídicas e agentes de posições e funções instituídas, organizadas e estabelecidas em geral. Separar a produção de subjetividade (que culmina com a do sujeito e com todas as outras unidades citadas) não ajuda muito a distinguir tudo isso da produção de subjetivação, que é inteiramente inconsciente e não se define por auto-referência, nem por alteridade, nem por seus objetos. Isto seja dito tendo-se em conta que o inconsciente não nos parece uma idéia feliz para esquizossemiotizar os processos da realteridade. Para nosso gosto, recorda demasiado a um outro da consciência, tanto nas psicologias, como nas psicanálises, no idealismo hegeliano, ou na filosofia da natureza.
Para explicar nossas observações sobre o segundo parágrafo guattariano citado, atribuímos ao termo heterogênese pelo menos dois significados. O primeiro implica em que o diferente produz o diferente, mas o segundo qualifica o diferente como diferenças realitárias (específicas ou de regime) e diferenças realteritárias (de natureza).
Parece-nos que quando Guattari se refere a diversos vetores de subjetivação que não passam pelo indivíduo-sujeito, que, em realidade se encontra em posição "terminal" com respeito a processos que implicam grupos humanos, etc. está empregando heterogênese no sentido de diferenças de regime. Nós cremos que ter em conta essa transversalidade e essa heterogênese, etc. (o que implica "separar" indivíduo e sujeito, etc.) já é muito importante para desmistificar a famosa "autonomia, mais ou menos relativa", ostensiva ou cientificamente evidenciada, que se atribui às diversas determinações das unidades do socius (em especial o indivíduo que o marxismo chamava "burguês") Mas o cerne do assunto a ser precisado é que a heterogênese, entendida como diferença de natureza, implica em que os processos em jogo não são humanos, são inumanos, não se parecendo em nada aos humanos e produzem, tanto subjetividades territoriais sobredeterminadas por múltiplos vetores, como subjetivações não evidenciáveis enquanto formas subjetivas conhecidas localizáveis no socius.
Por outro lado, "interioridade", em esquizoanálise, também pode admitir, no mínimo, três significados. A interioridade como intimidade (do sujeito íntimo, com seu mundo interno, etc.), a interioridade como lugar circunscrito, mais ou menos auto e heterolimitado, durável e estável, e a interioridade (entre) como oposta à mencionada exterioridade do Fora. As subjetividades têm como atributo definitório as duas primeiras acepções de interioridade. As subjetivações não apresentam interioridade nem exterioridade porque, em seu campo de realteridade, tais dimensões não têm vigência, assim como em seus modos de atualização são tão estranhas que talvez não se tenha conseguido formular os esquizoemas que delas dêem conta. 
Como serão a "interioridade" e "alteridade" singulares das subjetivações dos rizomas críticos, militantes, internéticos, mundiais, que, em enorme proporção são heterotópicos, heteróclitos e anônimos?...


RESUMO
Neste breve trabalho, propusemo-nos a tentar definir com certa precisão (inexata, porém rigorosa) os esquizoemas (unidades expressivas semióticas da esquizoanálise) (Baremblitt, 2004) produção de subjetividade e produção de subjetivação. Empreendemos este ensaio por considerar que, ainda que no conjunto da obra esquizoanalítica sobrem recursos para clarificar essa diferença, a mesma não está inteiramente explicitada. Sintetizar essas definições pode ter importância para seus diversos empregos pelos esquizoanalistas. 
Temos a impressão de que as citadas insuficiências ou confusões sobre o tema resultam de não se enfatizar suficientemente a diferença de "natureza" e a de "regime" dos processos e efeitos que intervêm nessas produções e suas resultantes.
Os processos da realidade (ou sua participação na produção de subjetividade e de subjetivação) têm articulações e resultados (realizações) sui generis. Os processos da realteridade (realidade outra, Fora ou Superfícies e processos produtivo/desejantes) (Baremblitt, 2004) têm sínteses, composições e individuações (ou atualizações) extrageneris. Ambos têm a mesma natureza, mas diferentes regimes.
A leitura esquizoanalítica dá uma importante contribuição ao postular que, ao nível da realidade, a produção de subjetividade inclui vários vetores independentes e, às vezes, contraditórios. As sínteses disjuntivas excludentes e as conjuntivas desses elementos fazem com que unidades do socius, tais como indivíduo, sujeito, persona, sejam emergentes em posição de "terminais" de outras tais como grupos, organizações e redes sociais, assim como parques científicos tecnológicos historicamente desenvolvidos. Todas essas unidades se apresentam à percepção ostensiva e à leitura disciplinar como separadas e específicas, mas, frequentemente, aparecem e são unidas ou mimetizadas umas às outras. Os processos produtivos desejantes realteritários geradores dessas subjetividades e alteridades são os mesmos que gestam a produção de subjetivações, mas predomina, em sua composição, a produção de reprodução e de antiprodução moduladas por codificações, sobrecodificações e axiomatizações do socius.
O mais importante aporte da esquizoanálise, porém, pode ficar algo desvaído se não se insiste em que, ao nível da realteridade, nos processos que geram as subjetivações, predominam os produtivos, desejantes, revolucionários. Por outro lado, suas entidades produzidas, ao nível do socius, o são no seio de multiplicidades caosmóticas, que não param de crescer sem mudar e são, por sua vez, singularidades. É por isso que as individuações de subjetivação não tomam as unidades convencionais ostensiva ou disciplinarmente "decifradas" do socius como "terminais". Tampouco sua alteridade produzida recorda as correspondentes às subjetividades do mesmo cunho e não exigem necessariamente uma autorreferência nem uma interioridade. 
As subjetivações decompõem por completo as funções subjetivantes, reagrupam-nas como bricolagens, e as reacoplam segundo distribuições e consistências inteiramente insólitas, chegando a criar novas funções (que frequentemente qualificamos e desqualificamos como "paranormais" ou "mágicas" ou reduzimos às conhecidas). 
As alteridades das singularidades estão dadas pela singularidade em si, que as faz infinitas, assim como também são outras de si mesmas. Em conseqüência, não é que não possam efetuar-se através das figuras de individualidade ou coletividade constituídas, mas o fazem decompondo-as e recompondo-as ao extremo de torná-las irreconhecíveis.
Se as figuras das unidades e processos da superfície de registro-controle não se parecem em nada às da superfície de produção desejante, as figuras e processos da subjetivação, ao nível do socius, não se parecem em nada com as da subjetividade. É por isso que, quando as linhas de fuga, quantas, as partículas, as vibrações, etc., que a variação contínua das máquinas abstratas faz escapar nos dispositivos, as decodificações, dessobrecodificaçãoes e desterritorializações se recompõem como territórios existenciais proteiformes, fluídicos e exóticos. Para sensibilizar paticamente os mesmos, é preciso recordar que as subjetivações não são realizações de possíveis (como às vezes Guattari sustenta) senão, atualizações do virtual, assim como boa parte deles transcorre e atua devindo imperceptível.
Apenas como exemplo: não é irrelevante o protagonismo atual da subjetivância das multidões contemporâneas em relação ao Estado, à partidocracia, ao mercado, às igrejas ecumênicas e à saturação propagandística, à do espetáculo e à do marketing. Trata-se, na verdade, é da nada fácil tarefa de diagnosticar quando funcionam ou não como autênticas minorias singulares revolucionárias, apesar de, ou de acordo com as modulações de seu suporte multitudinário. As ondas de difusão contagiosa das pequenas transformações, às quais se referia Tarde, não são visíveis, são mais "correntes submarinas" imanentes.
Quando nos incorporamos heurística, intervencional ou protagonisticamente a processos de subjetivação, nós o fazemos como humanos, demasiadamente humanos, em territórios existenciais demasiadamente hominizados.
As individuações por heceidade, que incluem subjetivações ad hoc, e cuja singularidade intensiva é pregnante me sua apresentação: verão, uma cor uma data, um nome (não um autor) e um espaço (melhor que um sítio ou um lugar), são processos e efeitos sem sujeito, compõem sempre subjetivações. Se parece claro para todos que as mesmas dissolvem o eu, o corpo orgânico e os corpus linguísticus, assim como as corporações organizacionais, etc., não está tão claro como distribuem e atribuem faculdades em suas bricolagens, nem os cromatismos musicais com que as polifonias de vozes se expressam nelas.
É duro assimilar que cada um de nós e os outros somos internamente muitos, tanto quanto um nome ostensivo identitário e unitário contém todos os nomes da história, e que trabalhar com fluxos é muito diferente de trabalhar com entidades e representações que recordam as do registro civil. O político profissional é um expert em ser afetado pelas singularidades nascentes, sem nome nem forma, para suprimi-las, reprimi-las ou normativizá-las. Nós os esquizoanalistas teríamos que aprender como se faz isso, mas com uma intuição inventivo-revolucionária.
Tradução: Dalva Aparecida Lima

quinta-feira, 1 de maio de 2008

4 - CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS PARA UM PROJETO DE FUNDAÇÃO E PROCESSAMENTO DE REDES POPULARES POLITICAMENTE PROTAGONISTAS.

Desde a instauração das nações modernas ocidentais, mais acentuadamente a partir de século XIX, o paradigma democrático geral compõe-se de uma Formação de Soberania com um Estado e uma Sociedade Civil que, por sua vez, se subdivide em um grande segmento privado e um público. As diferenças de significação desses conceitos e das realidades que denotam são muito numerosas e não é o caso de tentar desenvolvê-las aqui. Para a finalidade, porém, que inspira de modo prevalente estas linhas, enfatizaremos apenas uma distinção importante para o que queremos ressaltar.

Para o Estado denominado democrático, de múltiplas funções, a tarefa principal e indubitável é zelar de todas as maneiras possíveis pelo bem-estar geral de seu povo, levando em consideração ao extremo máximo concebível suas necessidades, desejos, interesses e demandas, assim como o emprego prioritário e total de suas potencialidades para esse fim.

Pois bem. Quando dividimos a Sociedade Civil em dois segmentos, um público e outro, privado, faz-se importante, no contexto destas páginas, diferenciar também duas vertentes do chamado setor público. Por um lado, há o constituído pela circunscrição pública correlativa ao Estado, ou seja, a área pública que compreende o Povo no sentido de contingente, agrupado por uma soberania nacional: o Povo como maioria estatística ou eleitoral. 

Por outro lado, é preciso definir o Povo como depositário urgente, imperativo, impostergável de carências essenciais não satisfeitas, assim como de potencialidades reais não aproveitadas, relativamente independentes do Povo “estatal”. Essa última definição inclui os segmentos sociais de toda natureza que compartilham, como preocupação e vontade, a mesma escala de valores, prioridades e realizações, ainda que, de fato, não comportem plenamente as mesmas necessidades, desejos, interesses e demandas. Entendido desta maneira, o velho conceito de Povo adquire para nós uma significação e importância cujo ator incomparavelmente prevalente é a população, tal como a definimos em último lugar. 
Os diversos segmentos dos outros espaços e entidades componentes das formações sociais merecem a denominação e a dignidade suprema de Povo, apenas na medida em que contribuem, lutam, em primeiro e intenso lugar, pelo alcance das próprias reivindicações e com as forças, procedimentos e prioridades desse Povo, entendido como entidade principal e protagonista, com o Estado e a Sociedade Civil ou independentemente deles. 

Em outras palavras:
a) Todo Estado é Estado de uma Sociedade Civil, pública ou privada, e, por sua vez, toda Sociedade Civil, pública ou privada o é por referência a um Estado. 
b) Tanto, porém, no seio do Estado, como no da Sociedade Civil, pública ou privada, existe um “Povo” que, apesar de ser origem e suporte das citadas entidades e de sua totalização como Formação Social tem (ou deveria ter) uma dinâmica própria, que inventa incessantemente a si mesmo e conclui por mudar a Formação à qual está ligado.

A adoção incondicional desses princípios expositivos que acabamos de manifestar é que dá a entidades tais como o Estado, o Governo que o ocupa transitoriamente, seus setores e atividades chamadas “públicas”, assim como à Sociedade Civil denominada “privada”, o direito à existência e o de seu registro como Entidades de Direito, respeito e ainda estima por parte do genuíno Povo. Explicitando melhor, o Estado e a Sociedade Civil, enquanto vinculados entre si, são partes do Povo, e não, o inverso. 

Comparando essas afirmações com o panorama vigente no mundo contemporâneo globalizado (tanto o entendido como democrático, como o considerado não democrático), constatamos que o mesmo marcha no sentido da plena implantação planetária do Megacomplexo Neoliberal, integrado pelo Modo de Produção Capitalista de bens materiais e serviços, o Regime Político da Democracia Representativa Indireta e o Estado, denominado administrador, assim como do Sistema de Representações e Afeições chamado de Realismo Cínico. 

O quadro social se completa com a denominada Sociedade Civil que está, por sua vez, dividida no setor privado e público, sendo que a circunscrição do privado tem um mínimo e formal compromisso com a existência do que definimos como "popular" (a não ser como fonte de força de trabalho, consumidores e usuários). Entretanto, o público estatal tem infinitamente muito mais a ver com o estatal governamental corporativo (interessado em votos, impostos e compromissos com os setores dominantes da sociedade civil) que com o que nós preferimos qualificar de autenticamente “popular” e, especialmente, com seu protagonismo.
Outras caracterizações das Formações contemporâneas de soberania, "posmodernizadas" (menos em sua estrutura que em sua nomenclatura) falam de um primeiro setor, o Estatal, um segundo setor, o da Sociedade Civil privada com fins de lucro, e um terceiro setor, que reúne em si o conjunto de indivíduos e grupos civis com finalidades filantrópicas, beneficentes, caritativas ou variavelmente alternativas ao Megacomplexo dominante. Essa representação tripartite parece bastante sugestiva. 
O terceiro setor, mesmo que sua definição não seja unívoca, parece reunir uma quantidade de associações civis cuja finalidade de agrupamento é muito variada, mas nas quais predominam diversas finalidades de “ajuda” mútua ou assimétrica aos contingentes cujas carências não estão suficientemente (ou nada) cobertas pelas agências formalmente destinadas a esses fins. O que insistimos em qualificar de “Povo Protagonista” parece ser visto como objeto (de subtração ou de doação), jamais como fonte última de toda a riqueza, potência, justiça e benefícios. Esta terminologia costuma ser própria das entidades, conhecimentos e práticas da configuração, funcionamento e terminologia do que denominamos Capitalismo Mundial Avançado.

O Modo de Produção Capitalista Avançado pode ser definido (muito sinteticamente) por alguns traços como: 
a) Um Funcionamento Econômico pelo qual, em forma aceleradamente crescente, todos os processos, estruturas e práticas, assim como seus resultados e efeitos são gerados na condição de mercadorias e seu intercâmbio tem por finalidade cada vez mais exclusiva o lucro (financeiro), a ganância (industrial ou comercial) e a renda (arrendátaria urbana, rural, de equipamentos, etc.). 

b) O Regime Político da Democracia Indireta Representativa {quer dizer, Estatal (Executiva, Deliberativa e Judicial}, Partidária, Eleitoral, Republicana e Federal, regido pela Constituição Nacional e todas as Leis do Direito, (analisado em seu funcionamento positivo último, sobretudo, de fato) tem como pilares a preservação da Ordem constituída e, em especial, o cuidado com a propriedade privada e estatal, assim como, prioritariamente, a integridade das instituições e organizações que lhes são próprias. 
c) O Sistema de Produção de Subjetividades, valores, crenças, afeições, etc. está composto principalmente pela educação, a comunicação de massas, a religião, entre outras, mas transversaliza todas as instituições, organizações, estabelecimentos, equipamentos, agentes e práticas do Megacomplexo subjetivo, natural, social e maquínico, orientando-o no sentido dos valores da reprodução simples e ampliada do citado Megacomplexo.

O mais expressivo, porém, do Capitalismo Planetário em vias de integração é a subordinação desigual das Formações Nacionais de Soberania a entidades transnacionais como o Fundo Monetário Internacional, a Organização Mundial do Comércio e o Banco Mundial, além do Clube de Paris, o de Londres, o dos Sete Grandes (G7), com o agregado da Rússia, etc. Este pool de organizações está, por sua vez, a serviço de uma Entidade Suprema, supranacional, que é a denominada Axiomática do Capital, uma de cujas formas mais correntes é o Equivalente Geral Dinheiro. 

Embora o mundo quase todo esteja submetido a essa Instituição supranacional, existe, entre as nações que lhes são subordinadas, uma divisão hierárquica nacional de funções. Por exemplo: os EEUU encarnam o poder bélico de preservação da ordem que é próprio a este conceito mundial; outros países são os depositários de boa parte do seu tesouro monetário e assim pelo estilo.
Essa ordem caracteriza uma escala de hierarquias econômicas, políticas e culturais altamente diferenciadas entre os diversos países que a integram e dentro de cada um deles. Entretanto, as grandes Empresas transnacionais, nacionais, estatais e privadas que a constituem tendem cada vez mais ao monopólio e à imposição de todo tipo de condições de produção, comercialização, etc. que lhes gerem menos custos e maiores benefícios.

O leitor deverá ter notado em nossas definições uma inclinação inconfundível. Por exemplo: consideramos que a finalidade da produção de bens de uso que só secundariamente se tornam de troca está-se invertendo total e definitivamente no Modo Capitalista Avançado. A ocupação e as funções do Estado, do tipo do cuidado dos direitos de Cidadania e Humanos, assim como a atenção prioritária, por meio das Políticas Públicas, às necessidades, desejos, interesses e demandas do setor popular da Sociedade Civil, estão francamente secundarizadas, interminavelmente postergadas ou até abolidas de fato, ainda que se as proclamem de direito. 

A produção de subjetividades, de valores, representações, afetos e funções psíquicas em geral está fortemente destinada a cumprir com as operações indispensáveis para a reprodução simples e ampliada da citada Megamáquina, à geração de suas subjetividades, indivíduos, famílias, grupos, organizações, movimentos e multitudes afins ao universo vigente e à eliminação parcial ou total ativa ou passiva dos que não lhes são funcionais. 

Esta tessitura inclui a exploração predatória da natureza e a orientação mais ou menos impositiva do parque tecnológico industrial. Tal orientação, cujos conhecimentos e realizações permanecem por muito tempo rendendo as vantagens das patentes, royalties, etc. está marcada por características (macro e micro) formadas e destinadas ao consumo suntuoso, rapidamente perecível, fútil e descartável (destinado a uma comercialização acelerada), ou a objetivos bélicos e de doutrinamento apropriado à citada reprodução. 

Como é sabido, a parafernália de dominação que garante a ordem do regime político trans, inter e intranacional dessa configuração mundial visa a instauração, nos circuitos regionais e nacionais dependentes (seja em supostas vias de desenvolvimento ou francamente subdesenvolvidos) da mencionada Democracia Indireta, representativa, republicana e federal hegemonizada pelos governos submetidos à lógica da axiomática do Capital supranacional. Tais governos ocupam Estados minimizados, centrados em uma gestão direcionada ao pagamento das dívidas externas com os organizamos transnacionais antes descritos ou com os capitais privados estrangeiros, Estados estes garantidores de um mercado de trabalho desregulado, subpago (ou até escravo), de um avanço leonino às riquezas naturais da geopolítica das Formações em questão e ao que “resta” de mercado com poder aquisitivo nas nacionais subordinadas.

A dominação planetária tende a estar assegurada por esse regime político (se possível, bipartidário comutável), pela produção doutrinária de valores e estilos de vida (e de morte), cada vez mais afins com a Ética da axiomática do Capital, assim como pela permanência no lugar imposto pelo difuso poder mundial para cada Formação Nacional, classe social, movimento, grupo, etc.

O emprego da força armada, policial ou militar (intranacional o internacional) adquiriu uma tessitura preventiva. A mesma culmina com a modalidade atual de ataque, por parte das nações hegemônicas, a todo e qualquer movimento do qual se pode supor uma possível agressão, antes que a mesma se perpetre e sem a aprovação dos organismos multilaterais mundiais.

De qualquer forma, o emprego de recursos bélicos com a finalidade da dominação planetária não é preferencial (por ser caro e impopular) e está reservado exclusivamente aos casos em que as modalidades de resistência nacional ou regional (especialmente o terrorismo ou a guerrilha) fazem caducarem os recursos da democracia nominal e formal.
Resumindo ao máximo, digamos: essa Ordem Mundial Neoliberal, nascida politicamente das gestões de Ronald Reagan e Margareth Tatcher e, economicamente (entre outros), da conceituação doutrinária do Massachussets Institute, Milton Friedman e os “Chicago Boys” (e sua plêiade de seguidores modernos e pós-modernos) é que resultou neste Capitalismo Planetário em vias de integração, política e culturalmente neoliberal, ortodoxo. O mesmo, todavia, está muito longe de sua implantação homogênea no mundo inteiro por três razões fundamentais: 

1) Sua contradição básica: a diminuição da produção global de riqueza e sua acumulação desmesurada, (apesar de todas as estratégias de incremento mercadológicas antes citadas) caminham paralelamente à diminuição do poder aquisitivo de grandes segmentos do parque consumidor usuário (desocupação, inadimplência, falências, crises, etc.). Os gastos de geração artificial de demanda (marketing) e de controle cultural e bélico da ordem imperante, assim como a norma de diminuição tributária dos países centrais, comprometem os pressupostos, não só dos países dependentes, como também dos opulentos. 

2) As políticas públicas chegam a um grau de redução, insuficiência e privatização que comprometem seriamente, não só os aspectos mercadológicos, como até os demográficos dos segmentos desassistidos. A delinqüência e a criminalidade, indiscutivelmente ligadas à miséria e à pobreza, nem por isso deixam de contaminar todos os estratos, lugares e funções sociais.

Em um panorama como este, as iniciativas compensatórias do Terceiro Setor são, em geral, insuficientes, confusas, incompetentes, superpostas e, não poucas vezes, corruptas, adquirindo um caráter ortopédico que não consegue modernizar-se para sair da beneficência, caridade, filantropia e do paternalismo tradicionais. Pelo contrário, continua gerando a crença, não apenas na naturalidade das desigualdades e injustiças, como também na bondade dos exploradores, dominadores e mistificadores.

3) O que denominamos “Povo” começa a multiplicar ao infinito suas modalidades macro e micro de resistência à tônica imperante. Tal resistência vai desde a luta armada, até à tentativa de construir uma comunidade paralela inspirada e gestada por valores auto-analíticos, autogestionários, democráticos diretos, solidários, sem fins de lucro acumulativo senão de subsistência e propagação do “espírito” do movimento instituinte.

O atual crescimento do fenômeno do terrorismo e a crescente generalização da tecnologia de construção de armas atômicas tornam o equilíbrio de forças não menos desigual, mas cada vez mais perigoso e ameaçador para as populações civis. A finalidade neodarwinista neomalthusiana da organização e gestão dessa civilização já é notória e abertamente denunciada. As elites opulentas, as do poder, prestígio, conhecimento, etc. começam a participar ativamente das iniciativas mistas do Terceiro Setor, (estatais, empresariais, religiosas, não governamentais), aportando-lhes fundos não tributáveis, empréstimos de baixas quantias, consultorias americanóides inadequadas de gestão, administração, etc. de origem e tipo mercantis, concedendo-lhes territórios de atuação irrelevantes e exigindo delas resultados de autosustentabilidade, em geral, irrealizáveis.

Quando essas iniciativas têm um êxito tão limitado quanto é de se esperar, o mesmo serve para afirmar, por exemplo, a “responsabilidade social da empresa” ou “a disposição à cooperação do Estado com a Sociedade Civil”. Se tais empreendimentos fracassam a curto, médio ou longo prazo, a “culpa” é atribuída à idiossincrasia dos agentes ou dos usuários consumidores. Em suma, do que se trata é de salvaguardar a decadência do modo de produção e de regime neoliberal democrático nominal, formal, indireto e pervertido. Tal decadência se torna evidente pela sucessão espetacular de crises nacionais, o baixo produto interno dos grandes blocos geopolíticos, e o incremento das dívidas estatais e privadas internas e externas.
Logo, a persistência de diversas modalidades de Estado de Bem-Estar, em países da Comunidade Européia, alguns orientais, os nórdicos são um caso especial ou de duvidoso futuro, resultante da combinação entre riquezas naturais de grande porte e populações pequenas de alto grau de instrução, civilidade etc.

Um fenômeno sumamente curioso é o crescimento geométrico das economias da China e da Índia, baseado, principalmente, na enorme força de trabalho com mínima remuneração e um regime jurídico político de diversas maneiras autoritário. Seja qual for o sentido que esse crescimento represente no momento atual e no futuro mundial, a injustiça e desigualdade econômica, social, política e cultural reinantes nessas potências não são de bom diagnóstico nem prognóstico.

Resumo de algumas possíveis conclusões

Sintetizando ao máximo, diremos, a guisa de conclusões que se podem depreender da análise acima esboçada, que:

1) Os inumeráveis tipos de empreendimentos denominados de Terceiro Setor, por mais heterogêneos, contraditórios, suspeitos e mesmo que seus patrocinadores, gestores e resultados venham a ser francamente desonestos, não podem ser descartados taxativamente devido ao estado de calamidade público majoritário e contínuo vivido pela humanidade.

2) Existe, porém, um requisito essencial para que tais iniciativas tenham efeitos positivos (sejam os específicos circunscritos procurados, sejam os da formação ético política transformadora de seus agentes usuários). Trata-se de que tudo quanto for pensado, dito e produzido nessas iniciativas, tenha como componente substancial o conhecimento práxico, quer dizer cognoscitivo e pragmático, das verdadeiras causas e razões que geram uma realidade econômica, política e cultural (natural e técnica), tão terrivelmente exploradora, dominadora e mistificadora. Trata-se de que a auto-análise e a autogestão que integram cada passo desses empreendimentos sejam protagonizadas privilegiadamente pelos setores populares autônomos que devem ser seus planejadores, gestores, executores, avaliadores e beneficiários. 

3) As várias formas de ajuda e colaboração com diversas entidades e forças que pertencem organicamente ao Estado e ao Mercado, ao Modo Capitalista avançado, ao Regime Político Neoliberal pseudodemocrático indireto e a cultura civilizatória chamada “pós-industrial, pós-moderna, etc. sejam aproveitadas. Não obstante, as mesmas devem ser empregadas pelo Povo, explícita ou clandestinamente, para a construção de uma civilização profundamente crítica, assim como para a criação de uma Rede incessantemente crescente de experiências solidárias singulares, inspiradas integralmente em uma concepção variavelmente auto-analítica, autogestionária, libertária e solidária do Mundo e da Vida.

4) Tal Rede e suas campanhas deverão ter clareza absoluta de que essa vasta e interminável transformação histórica não tem espaços vedados nem limites proibidos, e que, inevitavelmente, quase todos os seus aliados de hoje, são também seus contendores contemporâneos e talvez seus francos inimigos de amanhã. Se tal realidade é assumida, é fundamental que o “Povo Protagonista”, adquira conhecimento e assuma o fato de que, em cada momento dos processos de colaboração do Terceiro Setor, virá a vigorar uma violência de diferentes signos e graus que não pode ser evitada, mas, sim, detectada e instrumentada a favor da Utopia Ativa do Povo protagonista. 


Sem esses requisitos, o Terceiro Setor, assim como o Primeiro e o Segundo, serão entidades e processos não só homogeneamente reacionários e antiprodutivos, mas, sim, predominantemente degradantes e genocidas. 

Em suma: o Povo Protagonista do qual falamos é relativamente independente com respeito ao Estado e á Sociedade Civil, com e sem fins de lucro. Pode e deve articular sua existência com os demais setores citados, mas, em realidade, é produto da incapacidade dos mesmos para cuidar de sua existência digna e, em conseqüência, é um campo experimental destinado a substituí-los.
O “Povo protagonista” já existe em milhares de diversas realidades subjetivas e objetivas, mas sua porção infinita é a de um “Povo que está por vir”.

Gregorio F Baremblitt.

terça-feira, 15 de abril de 2008

1 - PERVERSÃO E PÓS-MODERNIDADE

Por Gregorio Franklin Baremblitt*



1. A brevíssima exposição seguinte implica numa abordagem cuja radicalidade excede o espaço disponível, e a possibilidade de definir os termos empregados, os quais, provavelmente não são de uso habitual dos leitores.
2. Definir pós-modernidade é um desafio insuperável. Por um lado, porque os autores divergem demasiado a respeito, por outro, porque se trata de um processo em desenvolvimento, mutante, ambíguo e enganoso. Podemos escolher dois caminhos para essa tentativa: um negativo e um positivo. O negativo gira em torno de que a chamada crise dos grandes metarrelatos, e, eu diria, das expectativas românticas modernas do século passado tem gerado uma dispersão de cosmovisões e um ressurgimento de neoarcaísmos que compromete seriamente a Ordem do Mundo e da Vida (para empregar termos clássicos da filosofia). O positivo consiste em que a decadência das estratificações, códigos e sobrecódigos, territórios e segmentariedades globais, em suma, os valores modernos e seus equipamentos de implantação e vigilância, propiciam tanto a transgressão como a invenção do novo absoluto. O dito vale para todos os campos da atividade chamada “humana”, embora alguns autores atribuam ao pós-modernismo uma predominância estética. 
3. Por sua vez, é de notar que aqui não definiremos perversão pelo seu pertencimento ao campo epistemológico nem clínico das psicopatologias nem da psicanálise. Essas abordagens relacionam inevitavelmente a perversão á subjetividade e ao vínculo supostamente constitutivo entre o desejo e a Lei simbólica (seja como for que seja entendida). Segundo esses pontos de vista a perversão se define por uma ambivalência das vivências e depois da estrutura do perverso entre a convicção de ser o objeto fálico do desejo materno e a pobreza da intervenção paterna, o terceiro que só entra na cadeia significante do sistema materno (único que poderia legitimá-lo) como uma seqüência ordenada, segundo o registro imaginário. Tal composição condenaria o perverso á divalência de uma posição segundo a qual, reconhece a lei paterna como degradada à ameaça ou à derrisão, e conserva a situação de falo do desejo de um outro que, a rigor, não aceita a castração e falta ao tempo que reconhece ao interditor como simulacro de objeto de diversificação do desejo, colocando-se como objeto do desejo de todos (puta) ou como portador de um desejo idealizado de autocompletamento, (a virgem inaccessível). Em todos os casos, o perverso é condenado a humilhar, a devassar ou a violentar a impoluta, assim como a transgredir compulsivamente uma lei nominal sem legiferação procedente. A “perversão polimorfa” infantil, se há tornado una exclusividade repetitiva, não apenas com uma falência do acesso a uma versão consagrada do gozo, senão com a perda da multiplicidade da experimentação libidinal infinita. 
4) Segundo a esquizoanálise de Deleuze e Guattari, o poliverso infinito não totalizável nem hierarquizado das pulsões chamadas “parciais”, não se define como polimorfo por relação á parafernália eticoconceitual de um modo exclusivo, exaustivo e excludente, de constituição do sujeito edipiano e de seu desejo faltoso segundo uma lei que o obriga a “versar” segundo a lógica de uma síntese disjuntiva excludente.
O poliverso libidinal, que não e parcial porque não é parte de nenhum todo é um recorte dentro da multiplicidade rizomática infinita da realteridade virtual imanente a todos os instituídos organizados e registrados, incluída a ordem e o registro simbólicos. Sua potência consiste em gerar, entre as inumeráveis individuações por heceidade, os acontecimentos e devires novos absolutos, inumeráveis produções de subjetivação singulares, que se entretecem nos dispositivos, agenciamentos e máquinas abstratas que compõem a citada imanência entre realidade e realteridade. Essas montagens, heterogêneas, transversais e maquínicos podem, ou não, compor sujeitos, como peças transitórias e funcionais (como é o sujeito marginal a uma produção desejante, testemunha perplexa do esplendor do acontecimento, ou como diria Espinoza, da “Glória de Deus”. O desejo em esquizoanálise é uma realidade pré-ontológica que só sabe produzir); (por isso produção desejante). As infinitas subjetivações que “oferta” nunca se efetuarão como edipianas porque a constituição edipiana do sujeito é a culminação da implantação do Capitalismo Planetário em vias de integração. Trata-se da única opção de produção de subjetividade que a axiomática do Capital (a entidade lógica suprema que preside ao Capitalismo Planetário Integrado) permite à sua Megamáquina de produção de mercadorias - e entre elas, de sujeitos.
A constituição edipiana do sujeito, não é sincrônica nem diacrônica, é simplesmente histórica. Começa nas formações despóticas imperiais asiáticas de soberania, e, depois de una longa trajetória, a Megamáquina do Capital conclui por deslocar seu limite externo (onde ele realmente não pode expandir mais a extração de mais valia e se confronta com o nada assintótico do seu “desejo”), ao “interior” estrutural do sujeito edipiano que reduz a um teatro familiarista as impotências, dependências, proibições e legitimações da sua frustração, privação e castração essenciais. O déspota já legalizado e parlamentarizado, suporte subjetivo do “homem íntimo”. Do capitalismo individualista, competitivo, consumista, narcisista, exibicionista, vouyerista, fútil, sadomasoquista, fascista, genocida, suicida, terrorista de Estado e de não Estado, etc.

5) A rigor as denominações tais como pós modernidade, globalização, neoliberalismo, pós industrial, sociedades de conhecimentos, etc, são apenas sinônimos de uma fase cínica do capitalismo que, até agora, só soube numa década gerar um mundo em que os pobres são mais - e mais pobres, os ricos são menos, e mais ricos, o terceiro mundo se debate na agonia do pagamento de dívidas e os blocos opulentos passam por sérias recessões, grandes dívidas externas, falências bursáteis e bancárias, ameaças de uma terceira guerra mundial terrorista, mentiras bélicoestratégicas, transgressões de todo tipo das fracas entidades depositárias de leis puramente nominais. Á enorme maioria dos Estados, das famílias, das escolas, dos trabalhos, dos espetáculos, dos meios de comunicação de massas, das religiões e muitas disciplinas científicas e acadêmicas, se não estão francamente a serviço dessas tendências, se limitam a protestar mornamente em nome de seus fundamentos e deontologias. 
SE ISTO E VERDADE, MUITOS DE NÓS SOMOS PERVERSOS E PÓS MODERNOS. Mas não somos perversos no sentido da produção de uma subjetividade que sabe e ignora, que aceita e transgride a lei do simbólico. Somos perversos enquanto sabemos para onde estamos indo e não paramos de gozar sem vergonha dos estertores do destino que nos espera. Somos perversos porque cultivamos estereotipadamente e, supostamente, aperfeiçoamos tecnicamente um modo de produção de subjetividade exclusivo, ignorando todos os outros que nos rodeiam com seus exemplos.

6)Felizmente, a produção de subjetivações multiplicitárias gera incessante e velozmente as de que precisa para os movimentos, organizações, manifestações, estabelecimentos industriais, agrários, científicos, populares, artísticos, militantes, redes de economia solidária, ONGs de gestão arriscada e decidida, membros heróicos e mártires da imprensa, médicos sem fronteiras, etc. O chamado terceiro setor, desigual e disperso na sua composição e ação, é a esperança de um mundo governado pela perversão econômico financeira, pelo poder bélico e pelo cinismo cultural, que já nem sequer pretende enganar a ninguém.

A “involução” perversa do capitalismo planetário integrado chegou a um ponto do qual, sinceramente, não sabemos se tem retorno. Mas não é esse mundo que contribui para piorar a patologia dos perversos, independentemente constituídos pelos processos e estruturas do desejo faltoso, da castração fracassada, da lei insuficientemente simbolizada pelo seu registro a nível significante. É esse mundo como rede perversa que os produz e os coloca onde deles precisa.



* Gregório Franklin Baremblitt é Livre Docente Autorizado da Faculdade de Medicina da Universidade Nacional de Buenos Aires e Coordenador Geral do Instituto Felix Guattari de Belo Horizonte. Tem sido Encarregado da Área de Docência e Investigação do Grupo psicanalítico Plataforma Argentina.