sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

1 - O PROBLEMA DA HOMOSSEXUALIDADE FEMININA NAS ORGANIZAÇÕES TOTAIS, ESPECIALMENTE AS CARCERÁRIAS.

Por Gregorio Baremblitt


É desnecessário dizer que a questão da homossexualidade como singularidade de eleição amorosa sexual está longe de ser um problema resolvido nas sociedades modernas. Obviamente houve, nesse sentido, uma série de transformações que vão desde a aceitação relativa no imaginário popular, nos costumes, na moral dominante e até no campo jurídico. Essas modificações se traduzem em uma tolerância maior nos aspectos da tomada de consciência, na recepção nos lugares de trabalho e na possibilidade de estabelecer amizades ou pelo menos vínculos benévolos entre os heterossexuais, os homossexuais e os chamados “transexuais”. 
Continua havendo mundialmente bastante prejuízo a respeito, especialmente por parte dos grupos e pessoas pertencentes a círculos religiosos que proscrevem tais práticas, assim como algumas instituições tradicionais, tais como as forças armadas, as igrejas, o poder judiciário, etc. Contudo, tem-se tido notícias de casos, especialmente na Inglaterra e nos EEUU, em que componentes das mencionadas organizações reivindicaram como normal sua condição e escolha de companheiro. 
Tal reivindicação, algumas vezes, teve que processar-se pela via dos dispositivos judiciários das respectivas agrupações e obtiveram resultados favoráveis. 
Vários países desenvolvidos, especialmente alguns nórdicos e outros como Holanda, assim como, segundo temos notícia, o próprio Reino Unido, já aceitam a legalização dos matrimônios homossexuais, lhes permitem a adoção de “filhos” e até regulamentaram o direito à herança ou as diversas modalidades de divisão de bens, em caso de separação ou de divórcio. 
De todas as formas, a comunidade homossexual tem certa tendência a definir espaços de residência, de trabalho e de diversão que lhe são exclusivos, configurando ainda morfologias urbanas de guetto, apesar de que, em geral, os mesmos são fundados e preservados pela própria vontade dos homossexuais e não tanto por imposição da sociedade heterossexual dominante.
É claro que isso coexiste com a ocorrência de diversos graus de discriminação, que vão desde a exclusão dos homossexuais de diversos âmbitos familiares, sociáveis, laborais, de residência, etc. Também continua havendo atitudes muito violentas contra os homossexuais quando os mesmos associam sua característica sexual com o exercício de variadas modalidades da prostituição, proselitismo ou o exibicionismo. 
Repetidamente acontecem agressões aos travestis e a outras modalidades da homossexualidade prostituída, que vão desde as físicas até o homicídio, a miúdo inteiramente gratuito, quer dizer, sem uma atitude por parte dos agredidos que justifique tal hostilidade. A mesma provém geralmente de grupos machistas, neonazistas, punkys, ou até de seitas religiosas fanáticas.
É importante fazer constar que a Sociedade Psiquiátrica Norte-americana já faz vários anos atrás eliminou da lista de quadros psicopatológicos a homossexualidade, quer dizer, que deixou de considerá-la uma doença, para entendê-la como uma idiossincrasia erótica sui generis.
Por outro lado, nos lugares em que o conflito entre as minorias homossexuais e as maiorias heterossexuais se cronificou, conta em sua história com diversos episódios de agressões mútuas com conseqüências graves, a reação continua sendo de incompatibilidade absoluta e os eventos de alto grau de violência tendem a suceder-se ininterruptamente.
Tampouco deixa de ser notável a influência que produz o fato de que muitos homossexuais são bi ou polissexuais, o que tende a diluir a polarização, tanto identificatória como a discriminativa das maiorias sociais heterossexuais.
Em algumas sociedades, os homossexuais, travestis, etc., se destacaram em determinados campos “respeitáveis” da sociedade heterossexual, considerados especialmente dignos e elevados; tal é o caso de algumas atividades artísticas, especialmente a dança clássica ou popular, a composição, o canto e a música do tipo pósmoderno ou a literatura. A moda ‘unissex” alcançou um grau de difusão e de aceitação relevante, sendo que propicia uma indiscriminação que chega até a favorecer a polissexualidade como um valor, ainda que, provavelmente, essa benevolência dissimule seu verdadeiro significado prevalentemente mercantil. Também é preciso recordar que diversos tipos de homossexuais se destacam “atuando” como tais em diferentes representações teatrais ou cinematográficas, nas quais têm tido particular êxito em peças de tipo burlesco, satírico, cômico, paródico, etc.
Muitos homossexuais chegam a ocupar cargos de alta hierarquia em todo tipo de atividades, sendo que, em geral, ou mantêm sua predileção sexual em sigilo, ou, pelo contrário, se rodeiam de subordinados da mesma condição com os quais mantêm variados tipos de relações sexuais e afetivas.
A associação entre homossexualidade e sadismo ou paranóia não é nada infreqüente entre os ocupantes de altos cargos que, ao mesmo tempo que perseguem a homossexualidade, a praticam. Veja-se, por exemplo, o caso de Edgar Hoover, diretor reiteradamente reeleito para o maior organismo de inteligência norte-americano. 
Determinado grupo social de homossexuais costuma manter um tipo de relação especialmente promíscua, como a que acontece nas “saunas” e outros estabelecimentos de encontro transitório e anônimo entre pederastas. A associação que se estabeleceu entre tal promiscuidade e a difusão das enfermidades infectocontagiosas venéreas foi um fator bastante desfavorável para a imagem social dos homossexuais, em que se mesclam os prejuízos com o rechaço mais ou menos fundado acerca do potencial epidemiológico dos citados estabelecimentos e os costumes sexuais.
Quando os homossexuais somam em sua condição de tais outras que são habitualmente discriminatórias (homossexuais negros, orientais, islâmicos, judeus, pobres, etc.), é claro que os níveis de discriminação crescem em uma dimensão proporcional.
Por complexas razões de ordem psico - socio - antropológicas, a homossexualidade feminina ou lesbianismo, é, em geral, menos discriminada que a masculina. Especialmente quando, no par de lésbicas, a distribuição de papéis não implica na masculinização ostensiva de uma das participantes, o rechaço provocado e evidenciado pela comunidade heterossexual é bastante mais moderado e até superado nos círculos culturalmente sofisticados.
Em um sentido amplo, podemos afirmar que a polissexualidade e a homossexualidade vêm adquirindo um grau de aceitação social crescente, e que, dentro de limites determinados, o que atualmente não se perdoa na condição homossexual, é, predominantemente, sua associação com a prostituição, a exibição e o proselitismo (dentro de certos limites e modalidades), assim como qualquer classe de vinculação com o delito e a violência. O caso das Forças Armadas, da Policia, das Iglesias e outras organizações verticais, é sempre mais intolerante. 
Como é sabido, tal “tolerância” e até simpatia e afinidade com os homossexuais por parte da sociedade e do estado contemporâneos não é nenhuma novidade (ainda que tenha algo a ver com o aumento de seu poder aquisitivo e sua condição de contribuintes e votantes) porque é por demais sabido que, em certas culturas históricas, entre elas a grega, a romana, fundantes da civilização ocidental, tal índole sexual era aceita e até cultivada pelos estamentos, estratos ou classes dominantes.
Provavelmente, a Psicanálise, em alguns de seus conceitos mais audazes, foi uma das principais defensoras da condição homo e polissexual de todos os sujeitos psíquicos, se bem que seja certo que, em outras elaborações freudianas e pós-freudianas, essa “abertura” é desvirtuada por uma série de noções maniqueístas que parecem confundir-se com a moral sexual dominante e os atributos exigidos pelos modelos de “normativização” das sociedades e culturas majoritárias.
Em suma, pode-se dizer que a homossexualidade, em suas diferentes modalidades, está passando lentamente de ser una prática demoníaca, um pecado, um desvio, uma perversão patológica heredogenética e constitucional, uma vicissitude fixativa ou regressiva da evolução psicossexual, ou uma corrente associal conspiratória contra os valores do ocidente, para existir como uma índole, una idiossincrasia ou uma maneira de ser atípica: não recomendável, nem tampouco necessariamente combatível, segregável, curável ou eliminável.
Um dos aspectos mais complicados e delicados da homossexualidade é sua prática nas organizações chamadas “totais” (povoada de comunidades “mais ou menos” confinadas) como são os conventos, os hospitais de grande internação, especialmente os psiquiátricos, os estabelecimentos isolados do tipo das minas ou das plataformas de extração de petróleo, os quartéis, e como resulta óbvio, os internatos educacionais e as prisões.
Se a homossexualidade pode qualificar-se como transitória ou permanente, como variável ou fixa, como apenas genital ou integral, etc., as modalidades verdadeiramente problemáticas são as que são obrigadas, facultativa ou forçadamente, pelas circunstâncias.
É claramente sabido que, nas organizações de reclusão prolongada e imposta, entre as que se destacam claramente as carcerárias, a homossexualidade adquire, a miúdo, as associações exibicionistas, delitivas, prostituintes e forçadas, às quais nos referimos anteriormente.
Um dos principais temores da condenação carcerária por parte dos sancionados com pena de reclusão é a perspectiva, em muitas ocasiões, inevitável, de serem submetidos a vexames sexuais, estupro, violação, etc. 
Tal prática é executada ativamente pela maioria dos detidos, por mais que se atribuam a si mesmos as características de uma virilidade acima de toda dúvida, devido à qual a privação forçada de relações heterossexuais seria como uma espécie de “autorização” biológica de apelar para qualquer meio para descarregar suas necessidades eróticas.
As vítimas de tais abusos se dividem entre aquelas que têm alguma predisposição notória ou ostensiva para a homossexualidade ativa ou passiva, ou simplesmente para as que não encontram forças e ou outros recursos para defender-se desses abusos. As violações sexuais nos presídios masculinos podem adotar uma tônica que vai desde as “mútuas prestações voluntárias recíprocas” para aliviar as tensões sexuais até à perpetração dos estupros reiterados e agressivos, como represália pelo não cumprimento de regras coletivas da massa de presidiários, geralmente destinadas à manutenção de redes de comércio, tráfico de drogas, planejamento ou execução de fugas, ou simplesmente a manutenção de um sistema de hierarquias dentro da “socialização” dos reclusos. 
Alguns desses ataques sexuais cruéis e lesivos são prescritos simplesmente como sanção do coletivo pelo tipo de delito pelo qual os condenados foram punidos, especialmente os raptores, estupradores e/ou assassinos de menores, de mulheres ou de incapacitados. A “condenação” do coletivo de reclusos inclui, nesses casos, além da violação sexual, torturas e maus tratos diversos que chegam até o assassinato. A denúncia dessas práticas por quem quer que seja alguma de suas vítimas dá lugar a represálias muito piores que as agressões iniciais.
No caso de que a predisposição à homossexualidade da vítima seja ostensiva, a mesma pode converter-se em um recurso para obter proteção ou outros benefícios, e, em geral, não necessariamente vai acompanhada de violência. Obviamente, outro dos fatores que obrigam a vítima a não denunciar os citados abusos é simplesmente a esperança de que os mesmos nunca sejam divulgados nem conhecidos por suas esposas ou maridos, seus familiares em geral e a sociedade em seu conjunto.
A homossexualidade feminina, seja nos hospitais, internatos de estudantes, nos conventos de monjas ou nas prisões de mulheres, adota modalidades sumamente variadas. O habitual é que a reação dos outros internos e das autoridades constituídas esteja dada pelo caráter da organização ou estabelecimento e pelas convicções morais das autoridades encarregadas. Nos hospitais, o critério médico é o de uma evitação severa, ( embora que mais ou menos respeitosa) baseada, seja na crença de que se tratem de manifestações patológicas ou não, mas que, invariavelmente podem afetar a saúde ou a cura das outras internas. Nos conventos, a repressão é drástica, embora não violenta, e pode concluir com a expulsão das protagonistas do ato homossexual por ser considerado altamente pecaminoso e passível de contágio ”por mau exemplo”.
Nas prisões de mulheres, curiosamente, as relações lésbicas são ignoradas e até toleradas, devido a que não implicam, necessariamente, em perigo de transmissão de enfermidades infectocontagiosas venéreas, nem requerem inevitavelmente a força ou a violência para sua realização, assim como porque não supõem perigo de gravidez.
Pode-se afirmar que, nos estabelecimentos carcerários, quando os atos sexuais lésbicos não envolvem uma imposição forçada, nem violência física ou moral em sua efetuação, nem exibicionismos desafiantes, nem proselitismo manifesto, nem promiscuidade exagerada, nem as detentas, nem as autoridades costumam tomar medidas destinadas a impedi-las, castigá-las nem proscrevê-las, apesar de que tampouco as vejam com benevolência nem as favoreçam.
A respeito, é importante recordar que a enorme maioria dessas jovens, ou já estavam prostituídas antes de sua condenação, ou já haviam sofrido estupro reiterado e violento por parte de seus pais biológicos, dos amantes de suas mães, dos irmãos maiores, etc. A miúdo a exacerbação do desejo e das práticas homossexuais exprime sua resistência deslocada ao estado de privação de liberdade, e pode ser também, sem dúvida, uma expressão de repúdio, consciente e deliberada ou não, ao universo prevalentemente masculino extramuros que as prostituiu, as agrediu, as explorou, dominou e desacreditou de inumeráveis maneiras, invariavelmente mediante o uso de diversas formas da força e com uma hipocrisia que exigia a privacidade, o sigilo e o consentimento dissimulatório. É a dupla moral: religiosa, familiar, pública e jurídica que marcou essas vidas com o selo do ressentimento e o desejo de vingança. 
Já nas situações contrárias intramuros, opostas às antes descritas, quer dizer, quando existiu imposição forçada, lesão física ou pisicomoral, comércio de dinheiro, de cigarros, alimentos, cosméticos, drogas ou privilégios, e finalmente, quando essa idiossincrasia dá lugar a lutas por cuidados ou se converte em instrumento de protesto, revolta, subversão, tentativas de fuga e outras cumplicidades, tanto as presas como suas guardiãs imediatas ou superiores, costumam tomar medidas judicialmente fundadas ou simplesmente preservadoras do cuidado da ordem institucional vigente.
Uma dessas vicissitudes mais habituais na transformação dos amores, e/ou dos atos sexuais lésbicos, em razões para a repressão e o castigo, está dada exatamente pela reação dos guardas masculinos ou femininos à sua própria exclusão no universo de escolhas sexuais e os prazeres das detidas, ainda que isso não seja, a miúdo, nem consciente, nem admitido pelos agentes em questão.
A repressão branda ou severa de manifestações da preferência homossexual feminina “inofensiva” pode, eventualmente, causar sua exacerbação e sua transformação em motivo de reivindicação “militante” e violenta, dando lugar a alterações da ordem carcerária muito mais perigosas e destrutivas que as próprias da modalidade lésbica de relacionar-se sexual e afetivamente no marco de reclusão das instituições totais.
Talvez a única recomendação que os “experts” podemos propor a respeito desse problema é um conjunto de atitudes, explicações e medidas destinadas a mostrar às detentas que, se a relação lésbica é, em última instância, um vínculo humano, a mesma deve ser realizada de maneira e em condições em que predomine nelas o prazer, o cuidado da saúde, a realização do amor, o bom gosto e a discrição das protagonistas e de seu ambiente.
Proibir ou punir as relações heterossexuais ou não heterossexuais em condições de confinamento, quando são voluntárias, adotando cuidados preventivos infecto contagiosos e de embaraço e que se pratiquem nas melhores condições de privacidade outorgadas pelos respectivos estabelecimentos é crime. Como também e crime a montagem de dispositivos rentáveis destinados ao “alivio” sexual de funcionários alocados em lugares distantes (veja-se “ As visitadoras”, de Vargas Llosa). 
Essas escolhas e práticas sexuais deveriam ser universalmente protegidas por leis jurídicas e normas institucionais explícitas dos direitos humanos dos confinados, como já existem parcial y arbitrariamente sob o nome de visitas “ intimas” etc Tais leis e normas devem fazer respeitar toda a variedade de modalidades sexuais que não impliquem dano moral ou físico inerente, maior ou irreversível, especialmente no caso da homossexualidade feminina em que tais prejuízos são “naturalmente” menos ou nada prováveis.
O trato peculiar dado para bem ou para mal nas instituições totais á homossexualidade (especialmente a feminina) e um analisador incalculavelmente importante das infinitas modalidades da in - humanidade humana.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

2 - DEZ PROPOSIÇÕES DESCARTÁVEIS ACERCA DO ESQUIZODRAMA.

Por Gregorio F. Baremblitt


1) O esquizodrama funciona como um conjunto difuso de pragmáticas, estratégias, táticas e técnicas inspiradas em diversas cartografias praticadas na teoria psicanalítica de G. Deleuze e Felix Guattari. Dos numerosos livros que compõem essa obra, privilegiamos os tomos que constituem “Capitalismo e Esquizofrenia” (O Antiédipo e Mil Platôs), porém não descartamos nenhum outro. 

2) O Objetivo principal do esquizodrama consiste em atuar (de maneiras heterólogas e transversais) com e sobre os aspectos físicos, químicos, biológicos etológicos, sociais, econômicos, políticos, semióticos, subjetivos e tecnológicos de seus dispositivos de intervenção para tentar:
a) Decodificar, desestratificar e desterritorializar a realidade montando máquinas concretas: agenciamentos coletivos de enunciação e agenciamentos maquínicos de corpos sobre um corpo sem órgãos, propiciando a eclosão de funcionamentos caosmóticos, geradores de condições para a o alisamento dos espaços, a des cronificação dos tempos, a emissão de linhas de fuga, quantas, vibrações e outros enementos (neologismo proveniente de n = infinito) inventivos, mutativos.
b) Favorecer a atualização de máquinas abstratas virtuais imanentes a tais dispositivos, quer dizer, ativar seu diagrama de forças e constituir o corpo sem órgãos de seu plano de consistência e/ou inmanencia. Denominamos a cada uma dessas realteridades (neologismo proveniente de alter: outra) um inconsciente produtivo, desejante, revolucionário, bricoleur, cujos componentes têm como nota em comum o fato de não terem nada em comum.
c) Propiciar que as mencionadas efetuações se atualizem por variação contínua, heterogêneses, autopoieses, transversalidades e funcionamentos maquínicos como acontecimentos, devires e invenções de novos regimes de signos, novas estratificações, novas territorializações rizomáticas existenciais, novos universos de valor, em suma, novos estilos de vida produtivo-revolucinário-desejantes, novas utopias ativas, uma nova Terra. 

d) Denominamos o paradigma preferencial do esquizodrama como: ético, estético, político e, secundariamente, como científico, mítico... etc. Tal paradigma deve ser entendido como dramático, no sentido de que se trata de uma arte, que dramatiza uma filosofia, que, por sua vez, dramatiza ciências e que também dramatiza mitos... e...e... assim multiplicitariamente. É viável dizer, então, que se trata da dramatização de conceitos filosóficos, que dramatizam funções científicas ou variedades artísticas, e outras variegações diversas em tempos intempestivos e em espaços lisos, segundo diversos regimes de signos, semióticas etc.

3) Denominamos Klínicas (neologismo proveniente de klinamen ou “desvio”) a um conjunto aberto de manobras técnicas inventadas pelo esquizodrama, sendo destacável especialmente que a finalidade do procedimento consiste em fazê-las proliferar e conceber outras sempre singulares e performáticas. O citado conjunto aberto deve ser entendido como uma multiplicidade, querendo significar que não tem ordem hierárquica, nem espacial nem cronológica alguma, ainda que, para expô-lo, seja preciso empregar uma seqüência linear ou arboriforme. O fato de qualificar algumas clínicas de elementares cruciais ou “de passagem”, implica apenas numa organização pedagógica possível.

4) É uma aspiração do esquizodrama que o protagonismo dos “destinatários” do desenvolvimento do processo de proliferação de klínicas se intensifique incessantemente durante o mesmo. Por “destinatários” entendemos agenciamentos que se geram durante o procedimento, “mais além” ou “mais aquém” da identidade e das segmentações lineares, binárias ou grupais dos participantes. Em outras palavras: o esquizodrama propõe uma participação direta e crescente de seus agentes, empiricamente considerados, nas práticas de dramatização, assim como, por outro lado, propõe que os “destinatários” do esquizodrama, empiricamente considerados, devenham esquizo-dramatistas, segundo sua singularidade e seu desejo, em novas e insólitas individuações por hacceidade. O sentido dessa proposta consiste em que todo esquizodramatista atue como vive e viva como atua. Em nosso entender, isso é o que inclui o esquizodrama no Movimento Instituinte, cujos valores principais são a auto-análise e a autogestão. 

5) Denominamos encontros às sínteses conectivas que operam, entre os “participantes” de um esquizodrama, processos de afetar e ser afetado, às “entreações” (neologismo que provém do advérbio entre) e transmutações ante os efeitos favoráveis que assim se geram.

Por efeitos favoráveis entendemos a intensificação das potências e dos atos dionisíacos de pensamento, inteligência, desejo, sensibilidade, imaginação, intuição, expressividade, ações e paixões alegres propriamente ditas. Em outros termos, denominamos esses efeitos como “individuações por hacceidade” ( pela forma e não da forma), compostas de diferenças, acontecimentos e devires, atualizações do virtual que alteram uma condição vigente do real, do possível e impossível. Tais processos e efeitos não têm, teoricamente considerados, um sujeito ou agente específico, ainda que possam, em algumas ocasiões, constituir sujeitos como peças da produção de subjetivações e outras produções que formam parte de seus funcionamentos.
As faculdades mencionadas são virtualidades e atualizações dos dispositivos, e se agenciam segundo suas diferenças por sínteses conectivas e sínteses disjuntivas inclusas, que se pode conceituar de várias maneiras. Entre as mesmas é interessante entendê-las como cromatismos, especialmente se os mesmos são musicais (atonias, distonias, arritmias, disritmias, assonância, dissonância, discordância, desarmonia) a- melodia.

6. O esquizodrama tenta funcionar com teorias e klínicas do simulacro e como simulacro de teorias e klínicas; dito de outro modo, como práxis de atos de sentido e devires de corpos em pressuposição recíproca mútua intervenção por irrupção da variação contínua. Entendemos por simulacro o eterno retorno das diferenças, não como representações - boas ou más cópias do idêntico, do invariante e do mesmo, quer dizer como semelhanças, analogias e ainda contradições - mas como produções do novo singular e absoluto.

7) Parece-nos possível afirmar que a esquizoanálise é um procedimento nômade, que, ainda que tenha um começo, um transcurso e um final empírico real institucionalizado, organizado, contratuado etc. na realteridade imanente a seus dispositivos, agenciamentos, devires etc., a esquizoanálise não tem começo nem final, não tem um mapa pré-traçado, nem transcorre de um ponto prefixado ao outro, senão que é intempestiva, entreacional e cartográfica. 
O campo de análise é sempre empiricamente muito maior que seu campo de intervenção, mas este, por sua vez, se multiplica, se estende e se difunde entre objetos e campos que nem sequer consegue predizer, detectar e controlar. O esquizodrama assumido com tal tem suas potencialidades e seus limites, mas tais potencialidades se ampliam quando estão incluídas nas situações e circunstâncias em que o esquizodrama acontece não ostensiva ou contratualmente. Os esquizodramáticos (“agentes” e “destinatários”) de um processo esquizodramático devem trabalhar, em cada situação, a crítica da dimensão especifista e profissionalista que sempre afeta, em maior ou menor proporção, a fecundidade de suas atuações e cartografias. 

8) No conjunto difuso e aberto das Klínicas, no rizoma composto pelas mesmas, os esquizodramáticos podem partir de onde quiserem, continuar por onde lhes pareça melhor, concluir provisoriamente no momento em que decidirem, reinventar ou inventar as que conseguirem.
Não obstante, as Klínicas que nós chamamos “elementares”, “encruzilhadas” ou “de passagem” (quer dizer que freqüentemente são interseccionadas e multiplicadas pelas outras) são quatro:

a) A Klinica da produção: de produção de reprodução e de antiprodução. 
b) A Klínica do Caos, Caosmos, Cosmos.
c) A Klínica da diferença /repetição. 
d) A Klínica do acontecimento/devir
e) A Klínica da multiplicitação dramática

Como um comentário apenas resumido diga-se o seguinte:
a) Consiste em inventar dispositivos para detectar, intensificar avaliar e reagenciar todos os processos de produção de reprodução e antiprodução equacionando suas dimensões e modalidades com o objetivo de avaliar quando e o quanto estão a serviço da repetição ou da pura destruição, e quando e o quanto estão a serviço da diferença, isto é, do novo absoluto produtivo, desejante, revolucionário.
b) Consiste em inventar dispositivos para detectar, intensificar, avaliar e reagenciar os processos e efeitos da repetição da diferença efetuados como o mesmo por (resistência, captura) coartação, captura ou aceleração ao infinito. 
c) Consiste em inventar dispositivos para detectar, intensificar, avaliar e propiciar os processos e efeitos de geração da diferença produtivo-desejante/revolucionária. 
d) Consiste em inventar dispositivos para intensificar e propiciar a elaboração de novas individuações por hacceidade, acontecimentos-sentidos e devires, produtivos, desejantes, revolucionários. 
e) Consiste em inventar dispositivos para detectar, intensificar, avaliar e propiciar os processos e efeitos da multiplicitação produtiva, desejante e revolucionária.

Uma vez mais sintetizado e para mostrar a transversalidade das klínicas, digamos que as quatro klínicas de passagem ou cruciais procuram: desmontar as formações cósmicas, sua destrutividade, resistência e captura para fazer com que as caósmicas sirvam de precursoras e atratoras seletivas, estranhas, de virtualidades caóticas, que funcionem como diferenças absolutas, componentes de individuações por hacceidade, integradas por acontecimentos e devires que fluam livremente por multiplicidades rizomáticas, gerando efeitos produtivos, desejantes, revolucionários. Segundo uma fórmula já “clássica”, “trata-se de estudar os coeficientes de afinidade entre realidade e realteridade e intensificar o que funciona”.

9)As klínicas esquizodramáticas, incessantemente renováveis e transversais às cruciais, assim como especificações das mesmas, são aqui mencionadas apenas como ilustração: klínica do corpo sem órgãos, klínica dos corpos plenos, klínica das línguas menores, klínica dos n sexos, dos grupos sujeitados e sujeitos, klínica dos sujeitos e objetos parciais, klínica de transduções semióticas (passagens de uma composição de forma e substancias de expressão a outro) , klínica do devir, dos sujeitos e objetos parciais (elementos básicos, molécula, célula, animal, criança, certos sexos, raças, psicóticos, magos, nomes da história, minorias, música etc). Podem ser inventadas, modificadas e acopladas, segundo a cartografia que se eleja e as que surjam, em variação contínua. Para ver uma descrição mais detalhada das klínicas do esquizodrama, seria interessante consultar os textos afins correspondentes.

10) Cabe transcluir (não concluir) afirmando que consideramos o esquizodrama aplicável a “todos” os domínios e campos teóricos da realidade e de seus interstícios, atuando sempre segundo o lema esquizoanalítico de “infinita audácia e prudência”. Pode-se fazer esquizodrama nas práxis de convivência, militância, saúde, educação, indústria, comércio, justiça, comunicação de massas, esportes, artes, religião, cultura, pesquisa e experimentação etc. - ditos em sentido amplo. 
Cabe ainda recordar que cada um desses campos compõe com os outros um rizoma transversal e heterogêneo, sendo possível e desejável dramatizá-los em conjunto porque, no campo imanente da realteridade, todos são inerentes entre si.
Finalmente, não nos esqueçamos de que o esquizodrama não é nem uma profissão nem uma especialidade formalizada, ou seja, instituída, organizada, estabelecida (epistemológica, tecno - burocrática, jurídica ou economicamente). 
Os dispositivos esquizodramáticos requerem (ou não), cada um deles, a invenção de uma institucionalização e organização singulares que sejam próprias de sua Utopia Ativa. O esquizodrama, dito em sentido purista, não se ensina, nem se transmite: se multiplicta e se “contagia”, cada vez em condições mais apropriadas.
Em suma esquizodramatizar consiste em desmontar o que não funciona (para a Vida de todos), e intensificar o que funciona com essa finalidade