quinta-feira, 19 de junho de 2008

1 - DEZ ORIENTAÇÕES TENDENCIAIS PARA UMA NOVA KLÍNICA.

Para desenvolver uma klínica do klinamen e da diferença, quer dizer, do desvio inventivo, e não uma clínica-padrão clinos passivo, com algumas variedades codificadas, é preciso criticar e recriar todas as suas dimensões.
É recomendável adotar um paradigma clínico prevalentemente ético, estético e político, ou seja, artístico, em lugar de um prevalentemente científico e/ou místico, ainda que estes últimos não estejam radicalmente excluídos.
É recomendável gerar e aplicar incessantemente uma teoria transcognitiva, exposta em discursos e semióticas variáveis, que seja capaz de dar conta da universalização de singulares e não da generalização de particulares.
É recomendável que essa teoria seja inseparável de intervenções guiadas mais por logísticas, estratégias, manobras e táticas páticas que por métodos e técnicas racionalizadas.
É recomendável a crítica e reinvenção contínuas da profissionalidade e da especificidade que haverão de tender a se tornarem cada vez mais modalidades de heterogêneses e de militância, involucrando a multiplicação dramática dos dispositivos de teorização e de intervenção. Trata-se de definir a prevenção como uma aliança para a plena realização da Vida, os transtornos como dificuldades existenciais, o tratamento como a atualização das virtualidades de que se dispõe e a reabilitação como a transmutação crítica dos mundos aos quais se pertence.
É recomendável que os dispositivos e recursos teóricos sejam empregados prevalentemente em sua dimensão pragmática, e que os agenciamentos interventivos se aproximem cada vez mais dos âmbitos e práticas da cotidianidade do trabalho, da educação, do lazer, etc.
É recomendável que os prestadores de serviços e os usuários dos mesmos se beneficiem constantemente de uma atenção igualmente ativa e recíproca no processo klínico, sendo que o mesmo tenderá a ser cada vez mais coletivo, menos especializado e hierarquizado, assim como mais incorporado à existência diária.
É recomendável que se assuma que só estamos “enfermos” porque os ubíquos processos polimorfos de exploração, de dominação e de mistificação nos fixam em identidades e funções necessárias para a vigência de tais processos. Para poder “desmascarar-nos” dessas fixações, é preciso devir e acontecer infinitos “outros” (naturais, sociais, subjetivos e maquínicos) inumeráveis modos de forma e substância, conteúdo e expressão.
É recomendável enfatizar que o processo produtivo do qual somos parte é onipotente e inesgotável e que o mesmo está coartado, reprimido, acelerado ao infinito, ou capturado, ou recuperado, pela reprodução e pela antiprodução, cujos modelos dominantes são o Estado e o Mercado, dos quais somos peças. Assim, dito em um sentido muito amplo e polivalente, klínicos serão todos os procedimentos destinados a liberar-nos desses modelos dominantes para re-singularizar-nos continuamente. 
É recomendável ter em conta que todas as operações próprias do processo de produção podem entender-se e protagonizarem-se como dramatizações. Dramatização está aqui dito como sinônimo de todas as modalidades inventáveis de devir como realidades e de acontecer como sentidos drasticamente novos. Nesta acepção, dramatizar pode entender-se como inventar e inventar-se, produzir, revolucionar e... por que não?.... Klinicar! 
Da profissionalidade e das especificidades, que tenderão a se tornar cada vez mais modalidades de heterogêneses e de militância, involucrando a multiplicação dramática dos dispositivos de teorização e de intervenção. Trata-se de definir a prevenção como uma aliança para a plena realização da Vida, os transtornos como dificuldades existenciais, o tratamento como a atualização das virtualidades de que se dispõe e a reabilitação como a transmutação crítica dos mundos aos quais se pertence.
É recomendável que os dispositivos e recursos teóricos sejam empregados prevalentemente em sua dimensão pragmática, e que os agenciamentos interventivos se aproximem cada vez mais dos âmbitos e práticas da cotidianidade do trabalho, da educação, do lazer, etc.
É recomendável que os prestadores de serviços e os usuários dos mesmos se beneficiem constantemente de uma atenção igualmente ativa e recíproca no processo klínico, sendo que o mesmo tenderá a ser cada vez mais coletivo, menos especializado e hierarquizado, assim como mais incorporado à existência diária.
É recomendável que se assuma que só estamos “enfermos” porque os ubíquos processos polimorfos de exploração de dominação e de mistificação nos fixam em identidades e funções necessárias para a vigência de tais processos. Para poder “desmarcarar-nos” dessas fixações, é preciso devir e acontecer infinitos “outros” (naturais, sociais, subjetivos e maquínicos) inumeráveis modos de forma e substância, conteúdo e expressão.
É recomendável enfatizar que o processo produtivo do qual somos parte é onipotente e inesgotável e que o mesmo está coartado, reprimido, acelerado ao infinito, ou capturado, ou recuperado, pela reprodução e a antiprodução cujos modelos dominantes são o Estado e o Mercado, do qual somos peças. Assim, dito em um sentido muito amplo e polivalente, klínicos serão todos os procedimentos destinados a liberar-nos desses modelos dominantes para re-singularizar-nos continuamente. 
É recomendável ter em conta que todas as operações próprias do processo de produção podem entender-se e protagonizarem-se como dramatizações. Dramatização está aqui dito como sinônimo de todas as modalidades inventáveis de devir como realidades e de acontecer como sentidos drasticamente novos. Nesta acepção, dramatizar pode ser entendido como inventar e inventar-se, produzir, revolucionar e... Por que não?.... Klinicar? 


Por Gregório F. Baremblitt

2 - ACERCA DO PSICANALISMO, DE ROBERT CASTEL*

ACERCA DO PSICANALISMO, DE ROBERT CASTEL*

Por Gregório F. Baremblitt

O gentil pedido de uma opinião acerca desse clássico livro gerou em mim sentimentos intensos e às vezes contraditórios, assim como me despertou algumas interrogações. Começarei permitindo-me formulá-los em um tom “confissional”
Em primeiro lugar: porque será um texto, que, paradoxalmente, me parece, por sua vez, irrefutável e superado, se torna tema de polêmica quase trinta anos depois de publicado? Será como expressão de sua vigência ou das resistências que encontrou? Isto me alegra, mas me deixa perplexo.
Em segundo lugar: durante duas décadas, tive oportunidade de relacionar-me com uma quantidade considerável de psicanalistas e constatar que apenas uns poucos haviam lido tal escrito. Por outro lado, tive acesso a uma só resposta psicanalítica, publicada em um livro de Elizabeth Roudinesco, na qual o argumento de mais “peso” da mencionada autora consiste em “diagnosticar” Castel como “estalinista” (sic?). Isso me entristece (porque, para mim, Castel é um dos intelectuais mais libertários que li, além de ser uma das pessoas mais encantadoras que conheço). Mas isso não me surpreende.
Em terceiro lugar: nunca deixarei de sentir-me estupefato frente à capacidade de ignorar, ou de assimilar, sem reconhecer as fontes e racionalizar de acordo com sua conveniência, que a Psicanálise (dito em um sentido mais amplo que mais adiante definirei) demonstra. Talvez só o Capitalismo em geral e a Igreja Católica em particular podem igualar-se à Psicanálise nessa habilidade gatopardista de “mudar, trocar, para que tudo siga igual” Isso sempre me assustou, mas, ao mesmo tempo, de dou conta de que essa questão, no que se refere à Psicanálise, quase deixou por completo de interessar-me.
Agora bem: indo diretamente ao que importa a principal tese de Castel, parcialmente “traduzida” a uma terminologia institucionalista mais comum, consiste no seguinte: a Psicanálise, enquanto disciplina (se pretenda científica ou não) tem uma teoria, um metido e uma técnica que são próprios e exclusivos, o que impede, senão pelo contrário, implica que, tanto o conteúdo específico como os valores neles implícitos, se inscrevam como ideologias “teóricas” e “práticas”, nos sistemas de representação, o imaginário, atitudes, concepções e ações sociais (ou como queira chamá-los), que lhe são contemporâneos. De outro lado, por mais essa teoria, método e técnica hajam alcançado certo umbral epistemológico disciplinário, nem por isso deixam de estar embebidos, infiltrados, etc. por ideologias discursivas, textuais e operacionais que nela pervivem como remanescentes, assim como pelas quais são coexistentes e concomitantes.
Além disso, a Psicanálise não é uma disciplina que se define por um saber e fazer específicos, mas também é, intrinsecamente, uma profissão, que, como todas as outras, implica o exercício de um poder, a obtenção de uma ganância e adjudicação de um prestígio sui generis.
Mais ainda, a Psicanálise se compõe também inerentemente, de um Movimento Social, de Organizações Sectárias, de um arsenal publicitário e editorial, algumas de cujas funções consitem em produzir demanda de serviços, recrutamento de candidatos a agentes, de formação dos mesmos, etc. Finalmente, a Psicanálise gerou, a partir de seu equipamento tradicional (o chamado “tratamento individual”), uma série de “aplicações” acerca de cuja legitimidade muitos psicanalistas lutam no campo da Educação, Saúde, Justiça, Trabalho, Comunicação de Massas, Lutas, famílias, grupos, organizações, empresas, políticas públicas, etc., etc.
A essa expansão cultural e operacional, Castel chama “ampliação ideológica em círculos concêntricos a partir do divã., sendo que poderíamos denominar “assimilações” ao conjunto de processos inversos, de remanescências pré-fundacionais e das complicidades atuais que antes mencionamos.
Dadas todas essas implicações, e tal como ocorre de modo relativa, mas efetivamente inevitável com todas as disciplinas profissionais, por mais extraterritoriais que se autoconsagrem, a Psicanálise está determinada por causalidades heterogêneas, heterólogas e heteronômicas, para conhecer e neutralizar as quais carece, por deficiência, de um instrumental pertinente, mais além, ou mais aquém da pretensão de consegui-lo com seus próprios recursos disciplinares. Essa peculiaridade constitutiva faz com que a Psicanálise ignore, ou que não desconheça, mas se creia capaz de “neutralizar” ou abster-se dos efeitos supostamente “espúrios” das citadas causas: sua mancomunação com a exploração, a dominação e a mistificação históricas de seu entorno.
A isto se agrega que a Psicanálise está segura de ter muito a dizer acerca de todas as outras disciplinas profissionais (e sobre qualquer outra coisa), à medida que os enunciados e textos das mesmas têm a ver com o “sujeito” e seu inconsciente, tal como a Psicanálise o concebe. O extraordinário é que essa teoria não costuma considerar, nem assumir, o que todos os outros saberes e fazeres têm a dizer a respeito, e as poucas vezes em que o considera e assume, o faz sem reconhecer a origem da crítica em questão, cujos “direitos de autor” invariavelmente são atribuídos a si mesma, tanto quanto a impugnação é “podada” e atendida de forma que o que é supostamente essencial não mude. Mas isso não é tudo. Segundo Castel, a Psicanálise é a única disciplina que conseguiu incorporar “de jure” suas exigências de fato como profissão, uma real “identificação” entre o estatuto de uma Especificidade e o Contrato de uma prestação de serviços rentáveis. Por exemplo, sua relação com o dinheiro, que levou Lacan a dizer que cobrava caro suas sessões para que os “analisandos” pudessem valorizar a importância do “puro nada” que lhes dava em troca.
Escrevi mais acima que essa obra de Castel é tão irrefutável como superada. O mesmo Castel esclarece que se trata da crítica da especificidade e profissionalismo feitos desta obra: uma espécie de etnosociologia que não é intra nem meta psicanalítica. É com a Esquizoanálise de Deleuze e Guatari que a crítica da Psicanálise chega ao apogeu porque não se abordam apenas as relações de exterioridade entre a Psicanálise, a Ideologia e o Poder, mas também as de imanência, quer dizer que a Psicanálise e seu objeto são definidos como peças essenciais da produção de subjetividade capitalística, que se esboçam no Modelo de Produção Primitivo, se consolidam nas Formações Imperiais Asiáticas de Soberania e advém interiorizada com o universal no “homem íntimo” (imagem derivada da Axiomática do Capital), junto com a disciplina que “descobre” e convalida o estatuto universal e se ocupa de seu “serviço” interminável. Tais artefatos não melhoram demasiado por serem sofisticados com recursos filo-estruturalistas, topológicos, ou matêmicos de 
formalização pelo contrário esses “refinamentos” (ainda hieráticos e herméticos), não fazem senão evidenciar mais “pura” e abstratamente sua função reprodutiva da lógica do capitalismo.

*Artigo solicitado e publicado pela revista Subjetividades. Cidade de México. México. 2003.

Professor Gregório F. Baremblitt