sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

2 - DEZ PROPOSIÇÕES DESCARTÁVEIS ACERCA DO ESQUIZODRAMA.

Por Gregorio F. Baremblitt


1) O esquizodrama funciona como um conjunto difuso de pragmáticas, estratégias, táticas e técnicas inspiradas em diversas cartografias praticadas na teoria psicanalítica de G. Deleuze e Felix Guattari. Dos numerosos livros que compõem essa obra, privilegiamos os tomos que constituem “Capitalismo e Esquizofrenia” (O Antiédipo e Mil Platôs), porém não descartamos nenhum outro. 

2) O Objetivo principal do esquizodrama consiste em atuar (de maneiras heterólogas e transversais) com e sobre os aspectos físicos, químicos, biológicos etológicos, sociais, econômicos, políticos, semióticos, subjetivos e tecnológicos de seus dispositivos de intervenção para tentar:
a) Decodificar, desestratificar e desterritorializar a realidade montando máquinas concretas: agenciamentos coletivos de enunciação e agenciamentos maquínicos de corpos sobre um corpo sem órgãos, propiciando a eclosão de funcionamentos caosmóticos, geradores de condições para a o alisamento dos espaços, a des cronificação dos tempos, a emissão de linhas de fuga, quantas, vibrações e outros enementos (neologismo proveniente de n = infinito) inventivos, mutativos.
b) Favorecer a atualização de máquinas abstratas virtuais imanentes a tais dispositivos, quer dizer, ativar seu diagrama de forças e constituir o corpo sem órgãos de seu plano de consistência e/ou inmanencia. Denominamos a cada uma dessas realteridades (neologismo proveniente de alter: outra) um inconsciente produtivo, desejante, revolucionário, bricoleur, cujos componentes têm como nota em comum o fato de não terem nada em comum.
c) Propiciar que as mencionadas efetuações se atualizem por variação contínua, heterogêneses, autopoieses, transversalidades e funcionamentos maquínicos como acontecimentos, devires e invenções de novos regimes de signos, novas estratificações, novas territorializações rizomáticas existenciais, novos universos de valor, em suma, novos estilos de vida produtivo-revolucinário-desejantes, novas utopias ativas, uma nova Terra. 

d) Denominamos o paradigma preferencial do esquizodrama como: ético, estético, político e, secundariamente, como científico, mítico... etc. Tal paradigma deve ser entendido como dramático, no sentido de que se trata de uma arte, que dramatiza uma filosofia, que, por sua vez, dramatiza ciências e que também dramatiza mitos... e...e... assim multiplicitariamente. É viável dizer, então, que se trata da dramatização de conceitos filosóficos, que dramatizam funções científicas ou variedades artísticas, e outras variegações diversas em tempos intempestivos e em espaços lisos, segundo diversos regimes de signos, semióticas etc.

3) Denominamos Klínicas (neologismo proveniente de klinamen ou “desvio”) a um conjunto aberto de manobras técnicas inventadas pelo esquizodrama, sendo destacável especialmente que a finalidade do procedimento consiste em fazê-las proliferar e conceber outras sempre singulares e performáticas. O citado conjunto aberto deve ser entendido como uma multiplicidade, querendo significar que não tem ordem hierárquica, nem espacial nem cronológica alguma, ainda que, para expô-lo, seja preciso empregar uma seqüência linear ou arboriforme. O fato de qualificar algumas clínicas de elementares cruciais ou “de passagem”, implica apenas numa organização pedagógica possível.

4) É uma aspiração do esquizodrama que o protagonismo dos “destinatários” do desenvolvimento do processo de proliferação de klínicas se intensifique incessantemente durante o mesmo. Por “destinatários” entendemos agenciamentos que se geram durante o procedimento, “mais além” ou “mais aquém” da identidade e das segmentações lineares, binárias ou grupais dos participantes. Em outras palavras: o esquizodrama propõe uma participação direta e crescente de seus agentes, empiricamente considerados, nas práticas de dramatização, assim como, por outro lado, propõe que os “destinatários” do esquizodrama, empiricamente considerados, devenham esquizo-dramatistas, segundo sua singularidade e seu desejo, em novas e insólitas individuações por hacceidade. O sentido dessa proposta consiste em que todo esquizodramatista atue como vive e viva como atua. Em nosso entender, isso é o que inclui o esquizodrama no Movimento Instituinte, cujos valores principais são a auto-análise e a autogestão. 

5) Denominamos encontros às sínteses conectivas que operam, entre os “participantes” de um esquizodrama, processos de afetar e ser afetado, às “entreações” (neologismo que provém do advérbio entre) e transmutações ante os efeitos favoráveis que assim se geram.

Por efeitos favoráveis entendemos a intensificação das potências e dos atos dionisíacos de pensamento, inteligência, desejo, sensibilidade, imaginação, intuição, expressividade, ações e paixões alegres propriamente ditas. Em outros termos, denominamos esses efeitos como “individuações por hacceidade” ( pela forma e não da forma), compostas de diferenças, acontecimentos e devires, atualizações do virtual que alteram uma condição vigente do real, do possível e impossível. Tais processos e efeitos não têm, teoricamente considerados, um sujeito ou agente específico, ainda que possam, em algumas ocasiões, constituir sujeitos como peças da produção de subjetivações e outras produções que formam parte de seus funcionamentos.
As faculdades mencionadas são virtualidades e atualizações dos dispositivos, e se agenciam segundo suas diferenças por sínteses conectivas e sínteses disjuntivas inclusas, que se pode conceituar de várias maneiras. Entre as mesmas é interessante entendê-las como cromatismos, especialmente se os mesmos são musicais (atonias, distonias, arritmias, disritmias, assonância, dissonância, discordância, desarmonia) a- melodia.

6. O esquizodrama tenta funcionar com teorias e klínicas do simulacro e como simulacro de teorias e klínicas; dito de outro modo, como práxis de atos de sentido e devires de corpos em pressuposição recíproca mútua intervenção por irrupção da variação contínua. Entendemos por simulacro o eterno retorno das diferenças, não como representações - boas ou más cópias do idêntico, do invariante e do mesmo, quer dizer como semelhanças, analogias e ainda contradições - mas como produções do novo singular e absoluto.

7) Parece-nos possível afirmar que a esquizoanálise é um procedimento nômade, que, ainda que tenha um começo, um transcurso e um final empírico real institucionalizado, organizado, contratuado etc. na realteridade imanente a seus dispositivos, agenciamentos, devires etc., a esquizoanálise não tem começo nem final, não tem um mapa pré-traçado, nem transcorre de um ponto prefixado ao outro, senão que é intempestiva, entreacional e cartográfica. 
O campo de análise é sempre empiricamente muito maior que seu campo de intervenção, mas este, por sua vez, se multiplica, se estende e se difunde entre objetos e campos que nem sequer consegue predizer, detectar e controlar. O esquizodrama assumido com tal tem suas potencialidades e seus limites, mas tais potencialidades se ampliam quando estão incluídas nas situações e circunstâncias em que o esquizodrama acontece não ostensiva ou contratualmente. Os esquizodramáticos (“agentes” e “destinatários”) de um processo esquizodramático devem trabalhar, em cada situação, a crítica da dimensão especifista e profissionalista que sempre afeta, em maior ou menor proporção, a fecundidade de suas atuações e cartografias. 

8) No conjunto difuso e aberto das Klínicas, no rizoma composto pelas mesmas, os esquizodramáticos podem partir de onde quiserem, continuar por onde lhes pareça melhor, concluir provisoriamente no momento em que decidirem, reinventar ou inventar as que conseguirem.
Não obstante, as Klínicas que nós chamamos “elementares”, “encruzilhadas” ou “de passagem” (quer dizer que freqüentemente são interseccionadas e multiplicadas pelas outras) são quatro:

a) A Klinica da produção: de produção de reprodução e de antiprodução. 
b) A Klínica do Caos, Caosmos, Cosmos.
c) A Klínica da diferença /repetição. 
d) A Klínica do acontecimento/devir
e) A Klínica da multiplicitação dramática

Como um comentário apenas resumido diga-se o seguinte:
a) Consiste em inventar dispositivos para detectar, intensificar avaliar e reagenciar todos os processos de produção de reprodução e antiprodução equacionando suas dimensões e modalidades com o objetivo de avaliar quando e o quanto estão a serviço da repetição ou da pura destruição, e quando e o quanto estão a serviço da diferença, isto é, do novo absoluto produtivo, desejante, revolucionário.
b) Consiste em inventar dispositivos para detectar, intensificar, avaliar e reagenciar os processos e efeitos da repetição da diferença efetuados como o mesmo por (resistência, captura) coartação, captura ou aceleração ao infinito. 
c) Consiste em inventar dispositivos para detectar, intensificar, avaliar e propiciar os processos e efeitos de geração da diferença produtivo-desejante/revolucionária. 
d) Consiste em inventar dispositivos para intensificar e propiciar a elaboração de novas individuações por hacceidade, acontecimentos-sentidos e devires, produtivos, desejantes, revolucionários. 
e) Consiste em inventar dispositivos para detectar, intensificar, avaliar e propiciar os processos e efeitos da multiplicitação produtiva, desejante e revolucionária.

Uma vez mais sintetizado e para mostrar a transversalidade das klínicas, digamos que as quatro klínicas de passagem ou cruciais procuram: desmontar as formações cósmicas, sua destrutividade, resistência e captura para fazer com que as caósmicas sirvam de precursoras e atratoras seletivas, estranhas, de virtualidades caóticas, que funcionem como diferenças absolutas, componentes de individuações por hacceidade, integradas por acontecimentos e devires que fluam livremente por multiplicidades rizomáticas, gerando efeitos produtivos, desejantes, revolucionários. Segundo uma fórmula já “clássica”, “trata-se de estudar os coeficientes de afinidade entre realidade e realteridade e intensificar o que funciona”.

9)As klínicas esquizodramáticas, incessantemente renováveis e transversais às cruciais, assim como especificações das mesmas, são aqui mencionadas apenas como ilustração: klínica do corpo sem órgãos, klínica dos corpos plenos, klínica das línguas menores, klínica dos n sexos, dos grupos sujeitados e sujeitos, klínica dos sujeitos e objetos parciais, klínica de transduções semióticas (passagens de uma composição de forma e substancias de expressão a outro) , klínica do devir, dos sujeitos e objetos parciais (elementos básicos, molécula, célula, animal, criança, certos sexos, raças, psicóticos, magos, nomes da história, minorias, música etc). Podem ser inventadas, modificadas e acopladas, segundo a cartografia que se eleja e as que surjam, em variação contínua. Para ver uma descrição mais detalhada das klínicas do esquizodrama, seria interessante consultar os textos afins correspondentes.

10) Cabe transcluir (não concluir) afirmando que consideramos o esquizodrama aplicável a “todos” os domínios e campos teóricos da realidade e de seus interstícios, atuando sempre segundo o lema esquizoanalítico de “infinita audácia e prudência”. Pode-se fazer esquizodrama nas práxis de convivência, militância, saúde, educação, indústria, comércio, justiça, comunicação de massas, esportes, artes, religião, cultura, pesquisa e experimentação etc. - ditos em sentido amplo. 
Cabe ainda recordar que cada um desses campos compõe com os outros um rizoma transversal e heterogêneo, sendo possível e desejável dramatizá-los em conjunto porque, no campo imanente da realteridade, todos são inerentes entre si.
Finalmente, não nos esqueçamos de que o esquizodrama não é nem uma profissão nem uma especialidade formalizada, ou seja, instituída, organizada, estabelecida (epistemológica, tecno - burocrática, jurídica ou economicamente). 
Os dispositivos esquizodramáticos requerem (ou não), cada um deles, a invenção de uma institucionalização e organização singulares que sejam próprias de sua Utopia Ativa. O esquizodrama, dito em sentido purista, não se ensina, nem se transmite: se multiplicta e se “contagia”, cada vez em condições mais apropriadas.
Em suma esquizodramatizar consiste em desmontar o que não funciona (para a Vida de todos), e intensificar o que funciona com essa finalidade

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