sexta-feira, 30 de maio de 2008

1 - TRABALHO, REALIDADE E REALIZAÇÃO.

Por Gregório Franklin Baremblitt * 


A problemática que o título tenta enunciar é, ao mesmo tempo, muitíssimo vital, excessivamente vasta e saturadamente transitada, para poder expô-la em um artigo.
Por muitíssimo vital, quero dizer que nela está em jogo, nem mais nem menos, que a sobrevivência da espécie humana.
Por excessivamente vasta, entendo que está atravessada e transversalizada por causas e efeitos de TODOS os campos da existência. Sendo assim, é impossível tratá-la circunscrita ou especificamente, e menos ainda, a partir de um determinante que seja considerável como o último.
Por saturadamente transitada, suponho que a bibliografia a respeito é imensa, sem dúvida semeada de acertos, mas bastante longe de ser exaustiva e muito menos resolutiva.
De acordo com o dito, esta exposição (e nenhuma outra) não poderá, de maneira alguma, pretender ser: nem suficiente, nem demonstrativa, nem sequer ilustrativa... e, ainda, não pretenderá ser “neutra” nem objetiva.
Tentarei resumir o que são apenas reflexões em forma de enunciados sintéticos, baseados em um amplo, mas limitado, exame de vários textos mais ou menos “respeitáveis” sobre o particular:
1) É óbvio que o panorama mundial contemporâneo mostra a imposição geral do Capitalismo Planetário em vias de Integração. Os poucos países que ainda conservam um sistema econômico-político- “cultural”-”comunista”, estão em pleno e variável processo de hibridação do mesmo, com a chamada “Economia” (“material”, política, antropológica, semiótica e libidinal) de MERCADO. As distinções factíveis entre liberalismos, socialdemocracias, socialismos moderados, capitalismos de Estado, nacional-socialismos ou diversas ditaduras de “esquerda” ou “direita”, não têm, para o que tento expor, nenhuma importância.
2) A LÓGICA do CAPITAL, cujo MODO está definido pelo domínio exclusivo e omniabrangente da AXIOMÁTICA DO CAPITAL ABSTRATO (que compreende o capital monetário, fiduciário, informático, etc.), implica em: 
a) Que toda PRODUÇÃO e PRODUTO (sendo que para uma definição ampla, compreende TUDO quanto existe, e inclui o correspondente ao TRABALHO HUMANO e SEUS RESULTADOS), adquirem VALOR estritamente a tanto e quanto é traduzível em quantidades de capital.
b) Que, em função do dito acima, toda PRODUÇÃO e PRODUTO devem estar crescente e definitivamente orientados no sentido de serem gerados, comercializados e consumidos, como bens de troca e que TODA troca estará colocada a serviço do incremento, acumulação e concentração de capital.
c) Que, em função do dito em a) e em b), TODOS e CADA UM dos “momentos”, “operações” e “resultados” de TODA QUALIDADE, QUANTIDADE e INTENSIDADE de processos de PRODUÇÃO, REPRODUÇÃO, ANTIPRODUÇÃO, CONSUMAÇÃO e CONSUMO, devem ser INSTÂNCIAS de EXTRAÇÃO DE MAIS VALIA DE TODA ESPÉCIE (de Potência, de Riqueza, de Poder, de Prestígio, de Saber, de Desejo, de Gozo, etc.), os quais, não por sua diversidade, devem deixar de ser traduzíveis à citada EQUIVALÊNCIAS GERAL.
3) É ostensivo que a “meta” da AXIOMÁTICA do CAPITAL, está longe de estar plenamente implantada; é por isso que falamos de CAPITALISMO PLANETÁRIO em VIAS DE INTEGRAÇÃO; tanto assim, que no Planeta coexistem atualmente TODOS os MODOS classicamente conhecidos de organização da VIDA (Natural, Econômica, Política, Social, Semiótica, Subjetivo-Libidinal, Maquínica, etc.), mas crescentemente subordinados à forma denominada “AVANÇADA”, “PÓS-INDUSTRIAL”, “ULTRAMODERNA”, do CAPITALISMO PLANETÁRIO... não em vão chamada TRANSNACIONAL, GLOBALIZADA, etc.
4) É absolutamente irrefutável que a MEGA-MÁQUINA (segundo a terminologia de G. Deleuze e F. Guattari, adotada a partir de uma idéia de L. Munford), organizada segundo esta LÓGICA, constitui uma parafernália que DETERMINISTICAMENTE (embora AINDA não fatalmente), funciona, cada vez mais rigorosamente, segundo a célebre fórmula de Marx: “... de maneiras “objetivas”, necessárias e independentes da vontade dos “homens”. A rigor, deveríamos ampliar e esclarecer tal postulado dizendo: 
“De maneiras necessárias que produzem, reproduzem, empregam, insumem, consumem e destroem aos “homens” (subjetividades e atos, desejos e fantasmas inconscientes, intenções-representações e interesses pré-conscientes-conscientes) e ainda as IMAGENS HISTÓRICAS DE “HOMEM”. 
5) Também é indiscutível que, A INCAPACIDADE RELATIVA DO CAPITALISMO: tanto para REGISTRAR, CONTROLAR, E CAPTURAR as colossais POTÊNCIAS PRODUTIVAS cuja emergência ELE MESMO PROPICIA, como para NEUTRALIZAR os efeitos ANTIPRODUTIVOS de suas plenamente vigentes CONTRADIÇÕES... TORNA A REALIZAÇÃO DE SUA AXIOMÁTICA ASSINTÓTICA E FINALMENTE IMPOSSÍVEL.
Essa INCAPACIDADE é RELATIVA, porque o Capitalismo é o Modo de Produção da Vida mais ágil, versátil e autocorretivo que nunca existiu na História Universal. Tanto é assim que, não só consegue arbitrar recursos e meios para “superar” suas crises, senão que aprendeu a VIVER COM elas e DELAS. O ameaçador problema dessa IMPOSSIBILIDADE ASSINTÓTICA e FINAL é se a mesma afetará apenas a subsistência do MODO CAPITALISTA, ou o da ESPÉCIE HUMANA EM SEU CONJUNTO.
6) Em minha opinião, é claro que as inumeráveis discussões e lutas atuais acerca da importância relativa e a defesa ou ataque conseqüentes da participação do Estado-Nacional ou das Entidades Deliberativas Estatais Multinacionais, dos Sindicatos Nacionais ou Internacionais, ou dos Mercados Nacionais ou Transnacionais, na regulação dos citados processos de PRODUÇÃO, REPRODUÇÃO , DISTRUIBUIÇÃO ou ANTIPRODUÇÃO, não carece de importância nem de peso nas situações conjunturais que afetam o panorama mundial. Mas, considero essencial que se tenha CLARAMENTE EM CONTA, NA AVALIAÇÃO da gestão das MESMAS que, DENTRO da LÓGICA do CAPITALISMO, NÃO EXISTE SOLUÇÃO VIÁVEL PARA O DESTINO LETAL AO QUE ANTES ME REFERI, SE POR SOLUÇÃO SE ENTENDE (em primeiro lugar) A CONVINCENTE EVITACÃO DA DEGRADAÇÃO PARCIAL OU A DESTRUIÇÃO TOTAL DE ENORMES CONTINGENTES NATURAIS, SOCIAIS, SUBJETIVOS E TECNOLÓGICOS.
7) Sem entrar a discutir, no momento, qual é a redefinição contemporânea dos conceitos de reformismo ou de revolução que a experiência histórica recente exige, cabe pontuar, a partir da abordagem teórica da questão, o seguinte: 
a) Segundo sustento, o principal obstáculo a ser removido na compreensão e avaliação da situação atual, aos fins de sua transformação práxica, consiste em impugnar DRASTICAMENTE todos e cada um dos aspectos das diversas versões do que denominei HORIZONTE do POSSÍVEL, dominantes no presente panorama.
b) Por HORIZONTE do POSSÍVEL entendo todas as suposições formalizadas “cientificamente” ou mais ou menos pragmáticas QUE LEVAM A ACREDITAR EM QUALQUER SOLUÇÃO PELO APERFEIÇOAMENTO “MODESTO” E “REALISTA” (“Progresso, “Evolução”, “Desenvolvimento”) 
-DA ORDEM CONSTITUÍDA VIGENTE E DE SUA LEGALIDADE (Estado de Direito das Democracias Indiretas Representativas e da Propriedade Privada),

_ DA REGULAÇÃO INTEGRAL PELA “RAZÃO” DE ESTADO E/OU PELA DOS MERCADOS (“Livre” ou “Controlado” Empresismo competitivo, basicamente inspirado na Lógica de Capital), 
-DA PRESUMÍVEL “ESSÊNCIA” (DIVINIZADA, NATURALIZADA OU HISTORICISTA), mais ou menos “eterna”, mais ou menos “invariável”, mais ou menos “limitada” de uma SUBSTÂNCIA DA REALIDADE HUMANA E NÃO HUMANA, 
- DA CONDIÇÃO ONTOLOGICAMENTE “CARENTE”, “ESCASSA”, E “PRECÁRIA” de tal REALIDADE HUMANA E NÃO HUMANA QUE LEVA A CONSAGRAR o MODO TRIUNFANTE e sua AXIOMÁTICA como sendo “O MENOS PIOR POSSÍVEL DOS SISTEMAS DE ORGANIZAÇÃO DA VIDA”.
8)A RADICAL REJEIÇÃO DO PARADIGMA DESSE “HORIZONTE DO POSSÍVEL”, entre outras importâncias, terá o valor de colocar-nos ABSOLUTAMENTE FORA das qualificações MANIQUEÍSTAS DO TIPO DE “PESSIMISTAS” OU “OTIMISTAS”, que tomam por única referência o estado de coisas e de “espírito” tendencialmente monolítico imperante atual.
Essa posição nos permitirá pensar e trabalhar com a indeclinável convicção de que EM TODA PARTE E AGORA (UTOPIA ATIVA) não existem SUBJETIVIDADES NEM OBJETIVIDADES QUE NÃO POSSAM SER ABOLIDAS NEM REINVENTADAS (DITO NO SENTIDO AMPLO DE TRABALHO INVENTIVO).
É EXATAMENTE A FORMIDÁVEL CAPACIDADE PRODUTIVA E INVENTIVA, ALCANÇADA NESTES ÚLTIMOS DUZENTOS ANOS, O QUE FAZ DECIDIDAMENTE CERTO O DEVIR EXUBERANTE DA REALIDADE E DE SUA REALIZAÇÃO... ASSIM COMO O ESTREITO, MESQUINHO E MUTÁVEL CARÁTER DE SUAS OPÇÕES CONTEMPORÂNEAS.

* Gregório Franklin Baremblitt é Médico Psiquiatra. Esquizoanalista. Coordenador Geral do Instituto Felix Guattari de Belo Horizonte.


Gregorio F. Baremblitt,

domingo, 18 de maio de 2008

2 - “Time is money" ou "money is time?”

Por Gregório F. Baremblitt*.
Tradução: Dalva A. Lima.

Se for verdade, como dizem alguns historiadores, que a consigna que encabeça este artigo foi cunhada durante a passagem da hegemonia do capitalismo inglês para o norte-americano, vale a pena pensar a respeito.
Segundo parece, essa substituição, uma vitória, se deve à confluência de numerosos componentes, sendo que um deles se destaca. Trata-se da fundação das grandes empresas corporativas verticais, polifuncionais, integradas. As mesmas incluíam boa parte ou todos os equipamentos e recursos humanos necessários para cumprir quase todas as etapas de processamento de seu produto ou serviço: desde o desenho até à venda para o consumo de massas. Essa onivalência, para dizê-lo abreviadamente, facilitava o planejamento e os controles, diminuía os custos, aumentava desde a produtividade até à comercialização. Mas esses lucros se geravam em virtude de um fator que modulava tudo: a velocidade. É supérfluo recordar que, nesse caso, velocidade se define como o tempo consumido na realização de todas as operações em jogo.
Um aspecto essencial dessa velocidade era o investimento em tecnologia, que produzia sistemas maquinários para cada operação, cada vez mais rápidos. Essa arquitetura empresarial, se por um lado gerava poupança, por outro, era deliberadamente cara. Planejada em função de um desenvolvimento em longo prazo, prevenia, entre outros perigos, contra as crises de acumulação, concentração e também, devido ao rigoroso e incessante feed back da informação sobre o consumo, as crises de hiperprodução.
Em princípios do século XX, essas grandes corporações eram exclusivamente norte-americanas, porém, muito rapidamente, se foram instalando em outros países, replicando o modelo original ou alguma das etapas de seu processamento, sem deixar de ser americanas. 
É claro que esse modelo coexistia, tanto no país de origem, como no mundo inteiro, com a pervivência de muitos outros, mas com grande aceleração os ia superando na conquista dos mercados locais e externos.
Deixemos aqui de lado a complexa multidão de fenômenos sociais, políticos, econômicos e culturais que se foram gerando durante o transcurso do século para chegar, nas últimas duas décadas, á globalização, segundo o projeto neoliberal. Desde logo, os paradigmas empresariais variaram extraordinariamente. Mantenhamo-nos, todavia, nesse modelo empresarial vertical polivalente integrado, apenas para ilustrar um vetor, talvez não tanto relevante, como ilustrativo. Durante e New Deal, essas empresas foram intimadas por Roosevelt a alterar seus planos estratégicos, cuidadosamente escolhidos, para dirigi-los para a construção de infra-estrutura e criação de postos de trabalho. Na segunda guerra mundial, novamente, as corporações foram parcialmente obrigadas a redirecionar-se para o suporte logístico e a indústria bélica e, até certo ponto, o mesmo ocorreu durante a guerra fria e a série de onerosas "barras pesadas" da Coréia, Vietnã, Irã, Panamá, Granada etc., e, logo a guerra do Golfo.
Não pretendemos sustentar que nesses empreendimentos, por diversas razões, forçados, as corporações não haviam tido benefícios astronômicos; tampouco ignoraremos o peso competitivo da formação da Comunidade Européia e do bloco nipônico e oriental. Aqui só queremos destacar duas conseqüências dessas vicissitudes:
O processo de reinversão da ganância deixou de ser investido estritamente de acordo com o feed back do consumo para dedicar-se a uma expansão competitiva, excedendo os parâmetros clássicos que regiam essas organizações. 
Parte da ganância foi desviada para a especulação financeira dos relativamente novos produtos bolsistas. Estas duas variações de rumo deram início, (ao nível restrito que estamos analisando), à introdução de uma tessitura aleatória na rotina veloz, mas regulada, das corporações. Esse foi um dos primeiros movimentos que iriam gerar o endividamento impagável, a hipoteca do futuro, a subordinação das corporações ao capital financeiro e a multiplicação das fraudes, quebras, incorporações minoritárias etc. O perigo principal já nem sequer é dos cartéis e monopólios que Friedman se empenhava em ridicularizar.
Esse processo está, na atualidade, sucedendo-se com uma celeridade geométrica, e é uma das causas importantes da metamorfose do “time is money” em “money is time”.
Mutatis mutandis, o mesmo ocorre com os Estados Nacionais e até com a manutenção das entidades multinacionais como a ONU, a UNESCO, etc. O capital financeiro tende cada vez mais a estar sediado, não em corporações, nem Estados, nem com proprietários localizáveis. É um monopólio anônimo e ubíquo. Nem os liberais, nem os neoliberais, nem o neonacionalismo protecionista, nem o livre empreendimento, nem as corporações, multicorporações nem transcorporações podem com ele.
Isso que descrevemos é apenas uma abordagem (desde o prisma empresarial capitalista) do processo segundo o qual o dinheiro (como equivalente geral) se está metamorfoseando de mercadoria-insumo do processo de produção capitalista, em dono do tempo e da vida. 
Se “outro mundo é possível”, não o será sem incluir a abolição desse império.



*Gregorio F. Baremblitt é Livre Docente Autorizado de Psiquiatria pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nacional de Buenos Aires. Analista Institucional e Coordenador Geral do Instituto Felix Guattari de Belo Horizonte. Minas Gerais. Brasil.